Tenham bom senso

"Não é porque eu escrevo sobre drogas, alcoolismo, mulheres fáceis, noites difíceis, depravação e sexo sem compromisso que eu sou um completo desregrado. Compreendam o limite entre realidade e ficção ou simplesmente morram nesse mundo politicamente correto que lhes consome. A arte imita a vida e vice versa, mas isso nunca será uma regra"


domingo, 27 de fevereiro de 2011

Santa Fé – Capítulo II

 Patrícia cresceu em um bairro da alta classe de Santa Fé. Longos cabelos loiros, um metro e 78 de altura, olhos verdes. A academia e a alimentação mantinham seu corpo como o de uma garota de 21 anos, mesmo tendo 10 anos mais. Estudou nas melhores escolas e adorava escrever, sendo assim, optou fazer jornalismo. Antes de se formar já trabalhava no Diário de Santa Fé como estagiária. Foi contratada, e trabalhou duro até chegar ao cargo de Coordenadora de Comunicação do jornal. Contratou sua colega de faculdade e grande amiga Cristina Martins como seu braço direito. Cristina adorava fazer reportagens e tinha sua própria página de cultura no jornal. Uma crespa de cabelos castanhos claros, olhos azuis e rosto angelical. Seu corpo incrivelmente distribuído em seus um metro e sessenta de altura. Formou-se e foi para Londres estudar inglês. Quando retornou era outra pessoa. Voltou centrada em seus objetivos e continuou fiel ao catolicismo.  A amizade das duas causava uma certa inveja entre as garotas da redação, afinal, Patrícia era a manda-chuva. Acima dela só o dono.
        Cristina estava encerrando sua reportagem sobre a nova mostra artística que estava acontecendo em Santa Fé, quando Patrícia senta na cadeira a frente da mesa e suspira.
- Ai Tina. Vamos almoçar? Preciso conversar.
- Sim, sim Paty. Só espera eu terminar esta última frase, e...- Cristina deu mais algumas digitadas e completou – pronto.
Chegaram no restaurante em frente ao jornal, serviram-se, e Patrícia começou:
- Ai Tina que saco. O dono do jornal apareceu hoje pela manhã e perguntou sobre os candidatos da entrevista. Perguntou se tinham pessoas capacitadas e blá blá, blá.- ela olhava para baixo e gesticulava com as mãos- Ele viu os nomes e disse que estava tudo certo. Que eu deveria contratar o Gabriel para coordenar a versão on-line. – ela deu uma pausa com um suspiro e prosseguiu – Eu não queria contratar ele. Sim, exatamente pelo que você está pensando. Ele podia, pelo menos ter dado uma ligada. Para dizer que estava vivo ou coisa assim. Ai, estou num mato sem cachorro. Não sei o que fazer. Ou melhor, não tenho o que fazer. É contratar ele e o outro garoto.
- Ai Paty. Não tenho o que te dizer. Eu sou amiga do Biel. Ele não ligou e tal, concordo. Mas ele não está em um bom momento. Pensa por esse lado- ela atravessou-se.
- Claro. Ele só lembra dos amigos quando está na merda. Quando estava bem, não podia nem ligar. Bom, eu não vou trabalhar diretamente com ele mesmo. Azar do tal do Felipe aquele. Só quero ver se ele vai aguentar o Gabriel.
            Cristina sacudiu a cabeça com uma cara de quem pensava “ai que drama”. Terminaram de comer e voltaram ao jornal. Patrícia subiu direto ao setor de pessoal para solicitar que ligassem para os contratados e avisassem para que já fossem trabalhar no outro dia.
            Gabriel acordou com o telefone tocando. Estava atirado de bruços na cama ainda de sapatos. Atendeu, respondeu as informações com vários aham’s e desligou. Virou-se de barriga para cima, abriu os olhos, e o ventilador de teto do quarto do hotel girava na mesma velocidade que sua cabeça. Levantou meio debilitado. Pegou a garrafa de conhaque que tinha comprado na mercearia em frente ao hotel, serviu dois dedos em um copo de whisky e tomou em um gole só. Só para acordar, pensou. No chuveiro, enquanto a gelada água escorria por seus cabelos, lembrou da fatura do cartão de crédito que estava vencendo.  Não ia dar tempo de esperar o salário. Precisava de dinheiro. Nem que fosse emprestado. Lembrou da Harley que tinha deixado na casa do irmão antes de ir para a Capital. Por um momento, alguns anos, tinha esquecido completamente de sua moto. Seu xodó. Não era um momento agradável para visitar o Junior, a última conversa dos dois havia sido no velório da mãe fazia uns cinco anos. Pessoa que Gabriel sentia muita falta, pois ela, acabava sendo a única pessoa da família que não criticava as suas escolhas.
            Os problemas dele com o pai e o irmão eram simples. O pai era um empresário muito bem sucedido, presidente de uma empresa que ele nunca conseguiu compreender o que fazia. Era algo como administrar empresas menores. O irmão, seguia os passos do pai, era o vice-presidente. E Gabriel, mentiu para seu pai que fazia faculdade de Administração enquanto cursava Jornalismo. Quando o pai descobriu, parou de pagar e o ordenou ele que mudasse de curso. Ele saiu de casa, foi morar com Marcelo e começou a trabalhar em um bar para pagar a faculdade. Quando os tempos estavam difíceis, a mãe lhe depositava dinheiro.
            Sabia onde o irmão morava, mas encontrá-lo em casa seria uma tarefa difícil. Caminhou até uma caixa de papelão velha no canto do quarto do hotel. Dentro da caixa haviam as poucas coisas que ele não tinha dado, jogado fora, ou vendido. Ela ainda estava lacrada. Gabriel voltou a Santa Fé com três malas de roupas, jogadas no banco de trás do Opala, uma mochila, onde guardava seu laptop e os objetos de maior uso como os itens de higiene pessoal por exemplo e no porta malas do carro vieram duas caixas de papelão. Ambas quadradas de televisores de 21 polegadas. Numa delas, haviam livros dele e outras coisas pouco importantes, a outra estava no quarto. Ele pegou a chave do carro e rasgou a fita adesiva que lacrava a caixa. Ao abri-la, lentamente, pareceu que abria uma arca repleta de tesouros. A primeira coisa que tirou foi um álbum de fotografias, que colocou a mão como se fosse abrir, e desistiu largando-o sobre a cama. A próxima era um maço de cartões de Natal, Ano Novo, Páscoa, Aniversário, presos por um atilio. Os olhos ameaçaram brilhar e ele respirou fundo, olhou para a garrafa de conhaque e para o cigarro na cabeceira da cama. Acendeu um cigarro com uma tragada que o fez sentir a fumaça entrando e saindo milimetricamente. Pegou a garrafa, abriu, e sem pensar, virou três seguidos goles de conhaque no bico. Voltou o olhar para a caixa. O próximo item era uma caixa de sapato que pegou e colocou na cama sem nem abrir. Olhou para dentro e viu um porta retrato virado para baixo. Sua respiração começava a ficar mais rápida e intensa. O nariz não era suficiente para a quantidade de ar e começou a respirar pela boca. Deu mais uma tragada e pegou o porta retrato. Quando virou e olhou a foto, uma lágrima caiu sobre o rosto dela. Todos os momentos com ela passavam rapidamente pela sua cabeça. Fixou a foto por uns 5 minutos, imóvel. Cada minuto parecia uma eternidade de imagens e momentos girando na sua cabeça. Com olhar fixo na foto, foi largando-a languidamente sobre a cama. Limpou a gota com a camisa e voltou o olhar à caixa. Finalmente acabou a tortura, pensou. Pegou uma agenda de capa de couro preta. Colocou as coisas com cuidado de volta na caixa, exatamente como estavam, com exceção da agenda, e a fechou. Tomou mais um gole do conhaque, deu uma tragada e abriu a agenda em seu colo na sessão de telefones. Olhou o número da casa de seu irmão na aba da letra J, puxou o telefone do criado mudo para seu lado em cima da cama e discou.
            - Residência do senhor Ruschel, Margarete falando.- falou a empregada com um sotaque do interior.
               - Gostaria de falar com o Junior. É o irmão dele.
            - Senhor Gabriel, há quanto tempo,- no velório da mãe ele tinha ficado na casa do irmão antes de brigarem- seu irmão está no banho.
               - Margarete, sabe se ele vai ficar em casa agora a tarde?
              - Sim, sim, ele vai trabalhar no escritório de casa hoje. Mandou até transferir as ligações pra cá.
              - Ok. Avisa ele que vou passar aí lá pelas quatro então.
              - Sim senhor, pode deixar que eu aviso.
             - Até mais - desligou o telefone rápidamente para não dar tempo do irmão sair do banho e querer atender.
               Apagou o cigarro no cinzeiro, colocou o telefone no criado mudo e foi arrumar-se.  
              Encostou o Opala em frente a uma enorme casa de dois andares com três enormes portas de garagem. Sim, seu irmão era tudo que o papai sonhava. Tocou a campainha e o portão abriu-se. Foi entrando e ouviu a voz de Junior no interfone.
- Coloca o carro para dentro.
Ele estacionou o carro de ré em frente a uma das garagens. Junior desceu a escada que havia entre duas das portas. Junior estava vestido em um terno caro, com o porte semelhante ao do irmão, cabelos escuros, olhos castanhos e uma barriguinha salientando a camisa branca de linho para fora do paletó cinza escuro com os botões abertos. Junior sem deixar de lado a fisionomia esnobe e séria, começou:
- Sinto muito pela sua esposa. Eu e o pai não pudemos ir ao velório pois estávamos na Alemanha viajando a trabalho.
Gabriel continuou com a mesma fisionomia séria, demonstrando claramente que não queria estar ali. Baixou a cabeça e encarou o irmão por cima do óculos.
- Não esperava isso de vocês mesmo. Eu só vim... – Junior atravessou-se com palavras rápidas como se fosse uma rotina o que iria dizer.
- De quanto precisa Gabriel? Antes você sempre recorria à mãe. É só dizer que eu te dou um cheque.
- Primeiro garoto, – normalmente nas discussões Gabriel chamava Junior de garoto pois, sabia que ele não gostava - enfia teu dinheiro no rabo. Não preciso do dinheiro de vocês desde que saí daquela casa. E o que a mãe me dava era da herança do vô, que eu tinha pedido para ela guardar.  E segundo, só vim pegar a minha moto caso tu ainda não tenha vendido. Não quero tomar muito do seu precioso tempo. Imbecil.
Junior travou por um momento, mas sem perder a postura arrogante. Virou para a porta de garagem da direita e colocou a mão no bolso puxando um controle. Apertou o botão.
 - Eu a liguei todo final de semana por uns dois anos. Depois cansei.
Abrindo a porta Gabriel foi aproximando-se. Viu sobre um reboque o volume do seu bebê coberto por uma capa amarelada. Tirou a capa de cobria a moto, e lá estava. Sua moto era uma Harley Davidson XLH Sportster, ano 1986 e uma raridade de tão nova. 25 mil Km rodados. Sim Gabriel gostava mesmo era de coisas velhas. A Sportster e o Opala. Sem dizer nada, deu uma rápida analisada por baixo da capa e agarrou no reboque. Puxou-o até o engate do Opala e prendeu.
- Você poderia ter tudo Gabriel, mas sempre fudia tudo. – o rosto esnobe do irmão seguia intacto, e Gabriel o olhava por cima dos óculos como se Junior tivesse falando a maior idiotice da face da terra - Queria ficar bebendo com os teus amigos e comendo tudo que era vagabunda que aparecia. Hoje poderia estar lá na empresa conosco, teria do bom e do melhor. E não, vivendo essa vidinha medíocre que tu vive.
- Junior eu não vou entrar na mesma discussão de merda de cinco anos atrás. Vou te dizer uma coisa, mas não quero que você me responda, só pense. Pensa se você já teve um momento feliz em meio a todo esse vidão. Fudendo prostitutas, primeiro porque não tem capacidade para conseguir uma mulher de verdade, e segundo porque acha que elas só querem usufruir dessa merda de dinheiro que pra vocês dois é tudo no mundo. Você pode ser um sucesso como empresário, mas é um fracasso como pessoa. – quando Gabriel começava a falar, não conseguia parar até completar o pensamento. Júnior olhava com um sorriso cínico – Esse teu geniozinho geneticamente igual ao dele, onde vocês sabem tudo em relação a tudo, afasta todo mundo de vocês. Vivendo essas amizades de conveniência porque ninguém suporta vocês. Antes de vir me falar sobre viver, olha pro teu rabo. Olha a merda que tu está fazendo da tua vida. Uma cópia legítima dele que era um fracasso como pai e como marido.
Gabriel fez uma pausa encarando o irmão e foi em direção ao carro. E Junior permanecia intacto com os braços cruzados e o mesmo sorriso.
- Bom velho, valeu e desculpa pelo espaço ocupado. Era só porque não tinha onde deixar mesmo - entrou no carro e voltou - e antes que eu esqueça, vai te fuder engomadinho de merda.
- Tudo bem Gabriel, como quizer - disse Junior como se Gabriel não tivesse dito nada - e apareça no aniversário do pai mês que vem. - respondeu com o mesmo ar superior e abriu o portão da rua.
Gabriel o olhou indiferente, entrou no carro e saiu. Eles tinham diferença de idade de dois anos. Junior 33 e ele 35. Gabriel achava Junior um idiota que era submisso as vontades do pai. E Junior não admitia que o irmão fosse "rebelde" e escolhesse a vida que escolheu. O fato do irmão, trocar toda a boa vida que tinham, para trabalhar em um bar e morar no “chiqueiro daquele amigo drogado dele” era inconcebível.
Saindo da entrada do condomínio fechado onde o irmão morava, Gabriel seguiu para o sul. Com a moto no reboque, parou em uma oficina especializada em motos custom. Era a oficina de um velho amigo seu que arrumava a Sportster. Jonatas era um gordo com aparência de sujo, vestido em um macacão azul com marcas de mãos por todo ele. Jonatas veio em sua direção abrindo os braços.
- Alemãaaaaao, quanto tempo meu velho.
- Fala Gordinho, – respondeu Gabriel com as mãos amparando a tentativa de abraço – sai, sai, sai. A minha roupa está suja, mas não tanto.
- E aí meu bruxo como está essa garotinha – aproximou-se do reboque e analisou a moto.
- Gordo seguinte: ela está parada à uns dez anos, e eu tenho um negócio pra fazer contigo pelos velhos tempos. Não é bem negócio é mais uma ajuda.
- Hum... – ele fez uma cara de contra gosto – qual é o lance?
- Eu estou voltando pra Santa Fé, começo no Diário amanhã e estou me re-estabelecendo. Estou morando provisóriamente num hotel barato e preciso de grana. - Jonatas continuava com a mesma aparência – Então proponho o seguinte: Deixo a menina pra você deixar andando, e você me empresta dois mil.
Gordo, olhou para os lados para conferir que ninguém estava por perto.
- Alemão a parada é a seguinte. Não posso te negar isso porquê, quando o meu irmão se acidentou aquela vez naquele pega, tu fez aquela parceria do Plano de Saúde. - Gabriel nem lembrava que tinha feito um acordo com um médico para o irmão de Jonatas ser atendido pelo Plano de Saúde como se fosse ele. – Estávamos fudidos de grana na época, os negócios andavam mal e tu nunca cobrou nada. Então a moral é essa. Eu te dou a grana e tu me devolve só mil, e arrumo a boneca sem cobrar a mão de obra. Feito?
Gabriel deu um sorriso de quem não sabia o que dizer. Tanto que nem lembrava-se do irmão de Jonatas.
- Nossa Gordo... Não sei o que dizer.
- Que nada meu. Casualmente tenho a grana na mão de uma moto que entreguei antes de tu chegar.
Gabriel até esqueceu a sujeira do macacão de Jonatas e o abraçou. Eles acertaram tudo, ele deixou a moto e levou o dinheiro.

 Gabriel entrou no Opala e seguiu agora para o hotel, que ficava no centro de Santa Fé. Parado em um cruzamento, acendeu um cigarro, e olhou no painel. Um post-it colado.
Juliana 7547-5555
Saio às 18hs
Olhou no relógio, eram cinco e meia. Pensou nos peitos. Deu uma tragada. Pensou nas pernas. Pegou a direita em direção à lanchonete.
Faltando quinze minutos para as seis da tarde encostou o Opala em frente à lanchonete. Um lugar simples, mas limpo. Gabriel desceu do carro e ficou encostado no capô. Acendeu um cigarro sem muita pressa, cruzou os braços e aguardou. Pelo vidro ele olhou a linda mocinha que quando vinha atender a mesa da frente olhava para ele e sorria. Bateu seis horas e a garota saiu do bar. Com uma bermuda jeans bem curta prensando suas belas coxas. Uma blusa de regata branca demonstrando anatomicamente todo o porte dos seus seios. A blusa acabava pouco abaixo do umbigo deixando caída uma borboletinha pendurada do piercing. Os cabelos castanhos claros voando quase em câmera lenta enquanto ela caminhava em sua direção. Os óculos escondiam seus belos olhos castanho claros. Chegou próximo a ele deu-lhe um lento beijo no rosto.
- Não imaginei te ver denovo. E não sei nem seu nome – disse ela sorrindo e jogando os cabelos para o lado.
- Ah, porque ninguém nunca me leva a sério? – Gabriel falou dando uma gargalhada – E aí amor, onde você quer me levar? Ahhh... – bateu a mão na cabeça – já ia me esquecendo. Gabriel Ruschel às suas ordens. – fez uma reverência com uma cara de malandro.
- Muito prazer Gabriel. E respondendo a sua pergunta, depende, vamos rodar por aí e decidimos no caminho.
- Perfeito. Entra aí lindinha – abriu a porta para ela e deu a volta no carro.
Gabriel ligou o carro e saiu dirigindo. Ligou o rádio e começou a tocar Highway to Hell.
- Me diga meu anjo, o que uma linda mulher como você faz trabalhando em uma lanchonete daquelas?
- Se eu trabalhasse em uma boate você não me faria essa pergunta. Aqui em Santa Fé as mulheres que se cuidam são: ou madames sustentadas pelos maridos, ou garotas de programa ou donas de um negócio. Poderiam ser modelos, mas às que tem a oportunidade vão embora daqui.
- Ok, ok. Vou refazer a pergunta depois desta resposta muito bem elaborada. O que uma linda mulher como você faz trabalhando em uma lanchonete? É bonita e inteligente demais para atender em um balcão.
- Era dos meus pais. Eles faleceram e eu fiquei cuidando do negócio. Não quis me desfazer de tudo que eles conquistaram. Aí mantive a conquista deles. Ganho o suficiente para me manter.
- Hum. Entendo. Mas me diga, porque deixou aquele papel? – ela o olhou com um olhar esnobe.
- Talvez, porque me interessei em você?
- Siiimm isso eu sei amor, mas porque se interessou por mim? Caras como eu deviam ter uns quinhentos dentro da lanchonete aquele dia. – ela deu uma gargalhada.
- Gabriel, por mais que não pareça eu leio e me mantenho informada. Temos a internet como uma ferramenta muito útil. Adorava a tua coluna no Jornal da Capital. Eu já te conhecia, bobinho. Ou achou mesmo que eu iria cair naquela cantadinha de buteco? – Gabriel a olhou com um sorriso.
- Ahhhh. Safadinha. E disse que não sabia nem meu nome.
- Tu pode não saber, mas muita gente te conhece por aqui. Tua coluna era muito comentada pelos colunistas do Diário de Santa Fé.
- Agora tudo faz mais sentido. E preciso admitir, eu estranhei muito você cair naquele papo furado. Mas pensei que de repente não teria resistido ao meu sujo e desleixado charme. 
Ambos caíram na gargalhada. Gabriel seguiu dirigindo até parar em frente ao seu hotel.
- Eu preciso pegar umas coisas. Você quer subir?
- Gabriel – olhou Juliana com uma cara de desprezo – só porque eu tenho 20 anos você acha mesmo que eu sou tão inocente? Vamos fazer o seguinte. – colocou a mão sobre o joelho dele e foi subindo – Eu passo a noite com você se confirmar que você é tão bom quanto escreve. – sua mão estava entre as pernas dele e ela deu-lhe um suave beijo nos lábios.
- Te prepara para passar o ano todo aqui então amor – Gabriel agarrou-a pelos cabelos da nuca e a beijou com força.
Os dois desceram do carro e subiram. Quando chegaram ao quarto, ela entrou na frente dele e caminhou devagar em direção a cama. Deu uma olhadinha para trás, com um belíssimo sorriso, e foi baixando lentamente uma das alças da blusa. Gabriel foi na direção dela e a agarrou por trás. Caíram na cama.
O despertador tocou e Felipe abriu os olhos. Olhou em volta, admirando o quarto do seu novo apartamento. Um apartamento de dois quartos em um edifício antigo do centro de Santa Fé há quatro quadras do Jornal onde Felipe havia conseguido emprego. Felipe Santos era de uma família de fazendeiros do interior, do interior do estado. Tinha um porte atlético, cabelos escuros, olhos castanhos, uma curta barba. Completou 22 anos, concluiu o curso de jornalismo e decidiu mudar-se para Santa Fé para trabalhar no diário. Missão cumprida. Hoje seria seu primeiro dia. O inicio de sua promissora carreira. Primeiro como repórter, depois colunista e assim por diante. Esse era o plano. Carreira que seu pai dizia ser perda de tempo. Dizia que seu futuro era cuidar das terras da família. Passou muito longe.
Felipe levantou da cama, fez a barba, tomou banho e foi para a cozinha tomar café. Em cada cômodo que entrava, ficava a admirar sua nova casa. Só faltava agora, arranjar alguém que quisesse dividir as despesas. Preparou a cafeteira, a ligou, fez duas torradas, colocou na torradeira e sentou-se para esperar ambos ficarem prontos. Ficou pensando quem seria seu chefe. Havia possibilidade de ser o próprio Gabriel Ruschel, o qual era fã das colunas que escrevia no Jornal da Capital. Pensou que seria a melhor escola para ele, mesmo achando que seu ídolo tenha sido meio antipático no primeiro contato. Felipe estava sentindo aquele frio de ansiedade na barriga. Tinha acordado uma hora antes do que precisava para fazer tudo e ir para o jornal. Estava pronto, café tomado, barba feita. Tudo perfeito para o inicio de sua grande carreira. Pegou a chave pendurada ao lado da porta e saiu. Caminhando pela rua, quase corria de tão rápido que andava. O nervosismo tomava conta do corpo. Hoje era o dia. Seu primeiro emprego exatamente na área que sempre quis trabalhar, com web. Afinal, esse era o futuro do jornalismo, pensava ele. Chegou ao jornal e apresentou-se na recepção.
- Olá, meu nome é Felipe Santos... Eu gostaria de falar com a Senhora Patrícia. – o nervosismo o fazia gaguejar. A garota virou-se para ele e respondeu.
- Ahh... você é o novo jornalista. Pode subir. Fica no terceiro andar.
- O obrigado.
Entrou no elevador, suando, tremendo, mordendo os lábios. O elevador parou e ele saiu na porta. Olhou para a esquerda, depois para a direita e avistou Patrícia. Foi em sua direção.
- O olá dona Patrícia, sou o Felipe Santos, eu começo hoje.
Patrícia levantou os olhos do papel que estava lendo. Notava-se perfeitamente o mau humor.
 - Pode sentar – respondeu ela de forma curta e grossa. Não disse mais nada e voltou a ler. Felipe sentiu o suor escorrer em sua testa.
Passaram dois minutos e ela olhou para Felipe.
- Vamos esperar o seu novo chefe chegar e começar as apresentações e especificações do trabalho. E se me chamar de dona de novo, vou te demitir antes de te admitir. Estamos entendidos?
- Sim do... – travou e recomeçou – sim Patrícia? – com uma cara de quem questiona com medo de estar errado.
- Vamos nos entender - ela abriu a gaveta e largou o jornal na mesa à frente dele e continuou – Fique a vontade.
Felipe agradeceu e começou a folhear o diário. Havia passado meia hora desde o horário marcado e Patrícia começava a bufar.
No hotel, Gabriel acordou, e olhou em volta. A linda Juliana havia sumido. Será que fui tão ruim assim, pensou. Foi até o frigobar e pegou uma garrafa de água. Tinha suado demais na noite passada e sua garganta estava seca. Tomou meia garrafa, guardou de volta, bateu a porta do frigobar com um chute e foi em direção ao banheiro. Olhou no espelho e havia um recado escrito com um batom vermelho.
Adorei a noite. Fui embora, pois preciso abrir a lanchonete às 10hs. Bjinhus
Gabriel arregalou os olhos e virou-se lentamente para o quarto. Olhou o despertador sobre o criado mudo. Era nove e meia da manhã e ele devia estar as nove no jornal. Neste momento só podia pensar em uma coisa para dizer: Puta merda.
A porta do elevador do terceiro andar abriu-se. No relógio marcava 10 horas da manhã e Gabriel seguiu caminhando com passos rápidos em direção a mesa de Patrícia. Patrícia e Felipe estavam conversando. Gabriel passou pela mesa de Cristina que se levantou.
            - Biel. Está atrasado. Ela está fulminando de raiva. Não foi um bom começo.
            Gabriel lhe deu um abraço e um beijo no rosto.
            - Meu anjo, você sabe que eu gosto de viver perigosamente – falou com um sorriso falso.
            - Vai, vai logo – Cristina respondeu com um belo sorriso – e que Deus te ajude.
            Toda a redação parou para ver a chegada do novo e atraente empregado chegando atrasado no seu primeiro dia. Aproximou-se da mesa de Patrícia e falou.
            - Bom dia minha linda e sexy chefe – Patrícia lhe respondeu com um olhar assassino.
            - Bom dia... hã... quem é você mesmo?
            Felipe levantou-se educadamente e esticou a mão para Gabriel.
            - Olá, sou Felipe Santos às suas ordens.
            Gabriel apertou a mão dele, lhe deu um tapinha nas costas e disse:
            - Aham. Bom então busca um café pra mim. Duas colheres, por favor.
            Patrícia observou a cena e fulminou Gabriel com o olhar. Virou-se para Felipe que estava saindo para acatar a ordem.
            - Felipe sente-se aí – a aparência de fúria assustou Felipe – Você está uma hora atrasado. Não é assim que as coisas funcionam aqui. Que seja a primeira e última vez. Não costumo repetir. E vamos começar de uma vez que eu tenho mais o que fazer.
            Patrícia começou a explicar em que consistia o trabalho dos dois. Gabriel ficaria coordenando o conteúdo do site e Felipe postaria e editaria as matérias. Enquanto Felipe escrevia em um caderno tudo que Patrícia dizia, Gabriel estava sentado com as pernas cruzadas folheando o jornal sobre a mesa sem dar a mínima atenção à sua nova chefe. Patrícia finalizou a reunião e disse:
            - As mesas de você são aquelas lá do outro lado da redação. Eu preciso que todo o conteúdo de hoje que os repórteres produzirem seja postado em tempo real. Por enquanto é só isso. Alguma pergunta?
            Gabriel olhou para os lados, virou-se para Patrícia e disse.
            - Onde é o banheiro aqui. Acho que o peixe frito que comi ontem estava meio passado – Patrícia ignorou a pergunta.
            - Bom podem ir então. Outras questões perguntem para a Tina que ela responde. Sumam da minha frente.
            Foram para suas respectivas mesas, e Gabriel foi adiantando-se.
            - Buenas garoto, vamos estabelecer algumas regras. Falamos um com o outro só o necessário e sobre trabalho. Nada de desabafos, choradeiras ou coisas do gênero, pois meu ouvido não é pinico. Cada um faz o seu trabalho e ponto final.
            Felipe concordou com a cabeça sem saber o que dizer. Sentaram, ligaram os computadores e começaram a trabalhar.
            Gabriel era uma pessoa observadora. Podia estar de cabeça baixa, olhando para a tela do computador, mas estava sempre atento ao que acontecia ao redor.  Ficava sentado com uma xícara de café em sua mão, e escrevendo seus textos. Adorava escrever. Escrevia sobre tudo que acontecia de importante no seu dia. E a partir dali escrevia seus artigos e crônicas. Enquanto escrevia, Felipe estava de cabeça baixa, concentrado. Quando parou de escrever, virou-se para Gabriel.
            - Postei no site duas notícias se quiser dar uma editada – disse Felipe sem levantar a cabeça.
            Gabriel respondeu com um simples “hum”. Começou a ler as notícias e ficou perplexo. Nada que o garoto escreveu necessitava de edição. A didática era perfeita. Pensou que adoraria saber escrever assim quando saíra da faculdade. Isso teria lhe aberto muitas portas. Ele podia ser uma pessoa meio rabugenta e não gostava muito de relacionar-se, mas sabia valorizar o trabalho de quem merecia. No horário do almoço, passou pela mesa de Felipe e colocou a mão em seu ombro.
            - Vamos almoçar garoto. Eu pago – Felipe achou estranho. Pelo que havia percebido da personalidade do novo chefe, isso soava muito estranho. Mesmo assim aceitou.
            Pararam na porta do elevador um do lado do outro e Gabriel olhou o garoto de cima a baixo.
            - Muito boas suas notícias. Vamos nos dar bem.
            - Obrigado senhor.
            - Biel – disse Gabriel
            - Hã?
            - Me chama de Biel. Senhor, me envelhece uns dez anos.
          Felipe sorriu. Pegaram o elevador e saíram do prédio, em direção ao restaurante do outro lado da rua. Entraram no restaurante, serviram-se e sentaram. O telefone de Felipe tocou e ele atendeu.
            - Alô. Sim é o Felipe. Sim. É um bom apartamento, dois quartos, o aluguel sai 350 reais para cada um, mais as despesas com comida. Muito caro. Bom, caso mude de idéia, a proposta está feita. Ok, abraço.
      Gabriel continuou comendo enquanto ouvia a ligação. Pensou que seria perfeito. Totalmente dentro de seu orçamento. Só precisaria comprar uns móveis e estava pronto. Olhou para Felipe e disse:
          - Pode parar de procurar. Eu aceito a proposta do apartamento, estou procurando um lugar para morar mesmo – Felipe não sabia o que dizer. Abriu a boca, mas não disse nada.
            - Depois do trabalho vamos comemorar. Vou te levar em um bar de um amigo.
            - Mas temos que trabalhar amanhã – disse Felipe em tom indeciso.
           - Não dá nada garoto. A vida é curta demais para preocupar-se com o amanhã. Foda-se.
             No final da tarde, Gabriel e Felipe estavam saindo do jornal em direção ao apartamento que dividiriam. Gabriel parou, entrou no Opala e abriu a porta do carona. Felipe entrou. Chegaram ao apartamento e Felipe mostrou o quarto para Gabriel, que era o único local não-mobiliado da casa. Gabriel virou-se para ele e disse:
           - Perfeito. Amanhã só irei comprar alguns móveis - passou em direção a sala e olhou para a geladeira – geladeira grande. Vou ao mercado, já volto.
           Bateu a porta e saiu. A ficha de Felipe ainda não havia caído, tudo tinha acontecido rápido. Começou a questionar-se se seria uma boa idéia. Pensou, pensou e concluiu que não devia ser tão ruim. Afinal, cada um teria o seu canto. Felipe era um cara tranqüilo quanto a dividir, afinal, era caçula de três irmãos e duas irmãs.
             Sentado no sofá, pensando em sua infância ouviu a porta abrir. Gabriel largou sobre a mesa quatro sacolas com garrafas de cerveja e três garrafas de vodca.
           - Aí garoto, agora vamos ocupar essa geladeira de mantimentos essenciais – disse enquanto descarregava na geladeira – vou dar uma saída, volto mais tarde – antes de fechar a porta concluiu – ahhh, deixa umas roupas de cama no sofá para mim. Fui.
         Sem saber o que dizer, e meio arrependido, como estava quando ele entrou, ficou quando a porta se fechou. Tentando amenizar o arrependimento ficou falando sozinho enquanto deixava as roupas de cama no sofá.
            - Não pode ser tão ruim assim.
          Felipe foi para o banheiro, tomou um banho e deitou-se na cama. Logo adormeceu. Acordou com a porta batendo. Olhou para o relógio. Eram três horas da manhã. Primeiramente ouviu risadas, parou um momento e começaram os gemidos. Felipe suspirou e olhou o relógio. Os gemidos estavam mais altos. Felipe olhando para o teto do quarto falou para si mesmo.
            - Que bosta que eu fiz?

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