Tenham bom senso

"Não é porque eu escrevo sobre drogas, alcoolismo, mulheres fáceis, noites difíceis, depravação e sexo sem compromisso que eu sou um completo desregrado. Compreendam o limite entre realidade e ficção ou simplesmente morram nesse mundo politicamente correto que lhes consome. A arte imita a vida e vice versa, mas isso nunca será uma regra"


domingo, 27 de fevereiro de 2011

Santa Fé – Capítulo II

 Patrícia cresceu em um bairro da alta classe de Santa Fé. Longos cabelos loiros, um metro e 78 de altura, olhos verdes. A academia e a alimentação mantinham seu corpo como o de uma garota de 21 anos, mesmo tendo 10 anos mais. Estudou nas melhores escolas e adorava escrever, sendo assim, optou fazer jornalismo. Antes de se formar já trabalhava no Diário de Santa Fé como estagiária. Foi contratada, e trabalhou duro até chegar ao cargo de Coordenadora de Comunicação do jornal. Contratou sua colega de faculdade e grande amiga Cristina Martins como seu braço direito. Cristina adorava fazer reportagens e tinha sua própria página de cultura no jornal. Uma crespa de cabelos castanhos claros, olhos azuis e rosto angelical. Seu corpo incrivelmente distribuído em seus um metro e sessenta de altura. Formou-se e foi para Londres estudar inglês. Quando retornou era outra pessoa. Voltou centrada em seus objetivos e continuou fiel ao catolicismo.  A amizade das duas causava uma certa inveja entre as garotas da redação, afinal, Patrícia era a manda-chuva. Acima dela só o dono.
        Cristina estava encerrando sua reportagem sobre a nova mostra artística que estava acontecendo em Santa Fé, quando Patrícia senta na cadeira a frente da mesa e suspira.
- Ai Tina. Vamos almoçar? Preciso conversar.
- Sim, sim Paty. Só espera eu terminar esta última frase, e...- Cristina deu mais algumas digitadas e completou – pronto.
Chegaram no restaurante em frente ao jornal, serviram-se, e Patrícia começou:
- Ai Tina que saco. O dono do jornal apareceu hoje pela manhã e perguntou sobre os candidatos da entrevista. Perguntou se tinham pessoas capacitadas e blá blá, blá.- ela olhava para baixo e gesticulava com as mãos- Ele viu os nomes e disse que estava tudo certo. Que eu deveria contratar o Gabriel para coordenar a versão on-line. – ela deu uma pausa com um suspiro e prosseguiu – Eu não queria contratar ele. Sim, exatamente pelo que você está pensando. Ele podia, pelo menos ter dado uma ligada. Para dizer que estava vivo ou coisa assim. Ai, estou num mato sem cachorro. Não sei o que fazer. Ou melhor, não tenho o que fazer. É contratar ele e o outro garoto.
- Ai Paty. Não tenho o que te dizer. Eu sou amiga do Biel. Ele não ligou e tal, concordo. Mas ele não está em um bom momento. Pensa por esse lado- ela atravessou-se.
- Claro. Ele só lembra dos amigos quando está na merda. Quando estava bem, não podia nem ligar. Bom, eu não vou trabalhar diretamente com ele mesmo. Azar do tal do Felipe aquele. Só quero ver se ele vai aguentar o Gabriel.
            Cristina sacudiu a cabeça com uma cara de quem pensava “ai que drama”. Terminaram de comer e voltaram ao jornal. Patrícia subiu direto ao setor de pessoal para solicitar que ligassem para os contratados e avisassem para que já fossem trabalhar no outro dia.
            Gabriel acordou com o telefone tocando. Estava atirado de bruços na cama ainda de sapatos. Atendeu, respondeu as informações com vários aham’s e desligou. Virou-se de barriga para cima, abriu os olhos, e o ventilador de teto do quarto do hotel girava na mesma velocidade que sua cabeça. Levantou meio debilitado. Pegou a garrafa de conhaque que tinha comprado na mercearia em frente ao hotel, serviu dois dedos em um copo de whisky e tomou em um gole só. Só para acordar, pensou. No chuveiro, enquanto a gelada água escorria por seus cabelos, lembrou da fatura do cartão de crédito que estava vencendo.  Não ia dar tempo de esperar o salário. Precisava de dinheiro. Nem que fosse emprestado. Lembrou da Harley que tinha deixado na casa do irmão antes de ir para a Capital. Por um momento, alguns anos, tinha esquecido completamente de sua moto. Seu xodó. Não era um momento agradável para visitar o Junior, a última conversa dos dois havia sido no velório da mãe fazia uns cinco anos. Pessoa que Gabriel sentia muita falta, pois ela, acabava sendo a única pessoa da família que não criticava as suas escolhas.
            Os problemas dele com o pai e o irmão eram simples. O pai era um empresário muito bem sucedido, presidente de uma empresa que ele nunca conseguiu compreender o que fazia. Era algo como administrar empresas menores. O irmão, seguia os passos do pai, era o vice-presidente. E Gabriel, mentiu para seu pai que fazia faculdade de Administração enquanto cursava Jornalismo. Quando o pai descobriu, parou de pagar e o ordenou ele que mudasse de curso. Ele saiu de casa, foi morar com Marcelo e começou a trabalhar em um bar para pagar a faculdade. Quando os tempos estavam difíceis, a mãe lhe depositava dinheiro.
            Sabia onde o irmão morava, mas encontrá-lo em casa seria uma tarefa difícil. Caminhou até uma caixa de papelão velha no canto do quarto do hotel. Dentro da caixa haviam as poucas coisas que ele não tinha dado, jogado fora, ou vendido. Ela ainda estava lacrada. Gabriel voltou a Santa Fé com três malas de roupas, jogadas no banco de trás do Opala, uma mochila, onde guardava seu laptop e os objetos de maior uso como os itens de higiene pessoal por exemplo e no porta malas do carro vieram duas caixas de papelão. Ambas quadradas de televisores de 21 polegadas. Numa delas, haviam livros dele e outras coisas pouco importantes, a outra estava no quarto. Ele pegou a chave do carro e rasgou a fita adesiva que lacrava a caixa. Ao abri-la, lentamente, pareceu que abria uma arca repleta de tesouros. A primeira coisa que tirou foi um álbum de fotografias, que colocou a mão como se fosse abrir, e desistiu largando-o sobre a cama. A próxima era um maço de cartões de Natal, Ano Novo, Páscoa, Aniversário, presos por um atilio. Os olhos ameaçaram brilhar e ele respirou fundo, olhou para a garrafa de conhaque e para o cigarro na cabeceira da cama. Acendeu um cigarro com uma tragada que o fez sentir a fumaça entrando e saindo milimetricamente. Pegou a garrafa, abriu, e sem pensar, virou três seguidos goles de conhaque no bico. Voltou o olhar para a caixa. O próximo item era uma caixa de sapato que pegou e colocou na cama sem nem abrir. Olhou para dentro e viu um porta retrato virado para baixo. Sua respiração começava a ficar mais rápida e intensa. O nariz não era suficiente para a quantidade de ar e começou a respirar pela boca. Deu mais uma tragada e pegou o porta retrato. Quando virou e olhou a foto, uma lágrima caiu sobre o rosto dela. Todos os momentos com ela passavam rapidamente pela sua cabeça. Fixou a foto por uns 5 minutos, imóvel. Cada minuto parecia uma eternidade de imagens e momentos girando na sua cabeça. Com olhar fixo na foto, foi largando-a languidamente sobre a cama. Limpou a gota com a camisa e voltou o olhar à caixa. Finalmente acabou a tortura, pensou. Pegou uma agenda de capa de couro preta. Colocou as coisas com cuidado de volta na caixa, exatamente como estavam, com exceção da agenda, e a fechou. Tomou mais um gole do conhaque, deu uma tragada e abriu a agenda em seu colo na sessão de telefones. Olhou o número da casa de seu irmão na aba da letra J, puxou o telefone do criado mudo para seu lado em cima da cama e discou.
            - Residência do senhor Ruschel, Margarete falando.- falou a empregada com um sotaque do interior.
               - Gostaria de falar com o Junior. É o irmão dele.
            - Senhor Gabriel, há quanto tempo,- no velório da mãe ele tinha ficado na casa do irmão antes de brigarem- seu irmão está no banho.
               - Margarete, sabe se ele vai ficar em casa agora a tarde?
              - Sim, sim, ele vai trabalhar no escritório de casa hoje. Mandou até transferir as ligações pra cá.
              - Ok. Avisa ele que vou passar aí lá pelas quatro então.
              - Sim senhor, pode deixar que eu aviso.
             - Até mais - desligou o telefone rápidamente para não dar tempo do irmão sair do banho e querer atender.
               Apagou o cigarro no cinzeiro, colocou o telefone no criado mudo e foi arrumar-se.  
              Encostou o Opala em frente a uma enorme casa de dois andares com três enormes portas de garagem. Sim, seu irmão era tudo que o papai sonhava. Tocou a campainha e o portão abriu-se. Foi entrando e ouviu a voz de Junior no interfone.
- Coloca o carro para dentro.
Ele estacionou o carro de ré em frente a uma das garagens. Junior desceu a escada que havia entre duas das portas. Junior estava vestido em um terno caro, com o porte semelhante ao do irmão, cabelos escuros, olhos castanhos e uma barriguinha salientando a camisa branca de linho para fora do paletó cinza escuro com os botões abertos. Junior sem deixar de lado a fisionomia esnobe e séria, começou:
- Sinto muito pela sua esposa. Eu e o pai não pudemos ir ao velório pois estávamos na Alemanha viajando a trabalho.
Gabriel continuou com a mesma fisionomia séria, demonstrando claramente que não queria estar ali. Baixou a cabeça e encarou o irmão por cima do óculos.
- Não esperava isso de vocês mesmo. Eu só vim... – Junior atravessou-se com palavras rápidas como se fosse uma rotina o que iria dizer.
- De quanto precisa Gabriel? Antes você sempre recorria à mãe. É só dizer que eu te dou um cheque.
- Primeiro garoto, – normalmente nas discussões Gabriel chamava Junior de garoto pois, sabia que ele não gostava - enfia teu dinheiro no rabo. Não preciso do dinheiro de vocês desde que saí daquela casa. E o que a mãe me dava era da herança do vô, que eu tinha pedido para ela guardar.  E segundo, só vim pegar a minha moto caso tu ainda não tenha vendido. Não quero tomar muito do seu precioso tempo. Imbecil.
Junior travou por um momento, mas sem perder a postura arrogante. Virou para a porta de garagem da direita e colocou a mão no bolso puxando um controle. Apertou o botão.
 - Eu a liguei todo final de semana por uns dois anos. Depois cansei.
Abrindo a porta Gabriel foi aproximando-se. Viu sobre um reboque o volume do seu bebê coberto por uma capa amarelada. Tirou a capa de cobria a moto, e lá estava. Sua moto era uma Harley Davidson XLH Sportster, ano 1986 e uma raridade de tão nova. 25 mil Km rodados. Sim Gabriel gostava mesmo era de coisas velhas. A Sportster e o Opala. Sem dizer nada, deu uma rápida analisada por baixo da capa e agarrou no reboque. Puxou-o até o engate do Opala e prendeu.
- Você poderia ter tudo Gabriel, mas sempre fudia tudo. – o rosto esnobe do irmão seguia intacto, e Gabriel o olhava por cima dos óculos como se Junior tivesse falando a maior idiotice da face da terra - Queria ficar bebendo com os teus amigos e comendo tudo que era vagabunda que aparecia. Hoje poderia estar lá na empresa conosco, teria do bom e do melhor. E não, vivendo essa vidinha medíocre que tu vive.
- Junior eu não vou entrar na mesma discussão de merda de cinco anos atrás. Vou te dizer uma coisa, mas não quero que você me responda, só pense. Pensa se você já teve um momento feliz em meio a todo esse vidão. Fudendo prostitutas, primeiro porque não tem capacidade para conseguir uma mulher de verdade, e segundo porque acha que elas só querem usufruir dessa merda de dinheiro que pra vocês dois é tudo no mundo. Você pode ser um sucesso como empresário, mas é um fracasso como pessoa. – quando Gabriel começava a falar, não conseguia parar até completar o pensamento. Júnior olhava com um sorriso cínico – Esse teu geniozinho geneticamente igual ao dele, onde vocês sabem tudo em relação a tudo, afasta todo mundo de vocês. Vivendo essas amizades de conveniência porque ninguém suporta vocês. Antes de vir me falar sobre viver, olha pro teu rabo. Olha a merda que tu está fazendo da tua vida. Uma cópia legítima dele que era um fracasso como pai e como marido.
Gabriel fez uma pausa encarando o irmão e foi em direção ao carro. E Junior permanecia intacto com os braços cruzados e o mesmo sorriso.
- Bom velho, valeu e desculpa pelo espaço ocupado. Era só porque não tinha onde deixar mesmo - entrou no carro e voltou - e antes que eu esqueça, vai te fuder engomadinho de merda.
- Tudo bem Gabriel, como quizer - disse Junior como se Gabriel não tivesse dito nada - e apareça no aniversário do pai mês que vem. - respondeu com o mesmo ar superior e abriu o portão da rua.
Gabriel o olhou indiferente, entrou no carro e saiu. Eles tinham diferença de idade de dois anos. Junior 33 e ele 35. Gabriel achava Junior um idiota que era submisso as vontades do pai. E Junior não admitia que o irmão fosse "rebelde" e escolhesse a vida que escolheu. O fato do irmão, trocar toda a boa vida que tinham, para trabalhar em um bar e morar no “chiqueiro daquele amigo drogado dele” era inconcebível.
Saindo da entrada do condomínio fechado onde o irmão morava, Gabriel seguiu para o sul. Com a moto no reboque, parou em uma oficina especializada em motos custom. Era a oficina de um velho amigo seu que arrumava a Sportster. Jonatas era um gordo com aparência de sujo, vestido em um macacão azul com marcas de mãos por todo ele. Jonatas veio em sua direção abrindo os braços.
- Alemãaaaaao, quanto tempo meu velho.
- Fala Gordinho, – respondeu Gabriel com as mãos amparando a tentativa de abraço – sai, sai, sai. A minha roupa está suja, mas não tanto.
- E aí meu bruxo como está essa garotinha – aproximou-se do reboque e analisou a moto.
- Gordo seguinte: ela está parada à uns dez anos, e eu tenho um negócio pra fazer contigo pelos velhos tempos. Não é bem negócio é mais uma ajuda.
- Hum... – ele fez uma cara de contra gosto – qual é o lance?
- Eu estou voltando pra Santa Fé, começo no Diário amanhã e estou me re-estabelecendo. Estou morando provisóriamente num hotel barato e preciso de grana. - Jonatas continuava com a mesma aparência – Então proponho o seguinte: Deixo a menina pra você deixar andando, e você me empresta dois mil.
Gordo, olhou para os lados para conferir que ninguém estava por perto.
- Alemão a parada é a seguinte. Não posso te negar isso porquê, quando o meu irmão se acidentou aquela vez naquele pega, tu fez aquela parceria do Plano de Saúde. - Gabriel nem lembrava que tinha feito um acordo com um médico para o irmão de Jonatas ser atendido pelo Plano de Saúde como se fosse ele. – Estávamos fudidos de grana na época, os negócios andavam mal e tu nunca cobrou nada. Então a moral é essa. Eu te dou a grana e tu me devolve só mil, e arrumo a boneca sem cobrar a mão de obra. Feito?
Gabriel deu um sorriso de quem não sabia o que dizer. Tanto que nem lembrava-se do irmão de Jonatas.
- Nossa Gordo... Não sei o que dizer.
- Que nada meu. Casualmente tenho a grana na mão de uma moto que entreguei antes de tu chegar.
Gabriel até esqueceu a sujeira do macacão de Jonatas e o abraçou. Eles acertaram tudo, ele deixou a moto e levou o dinheiro.

 Gabriel entrou no Opala e seguiu agora para o hotel, que ficava no centro de Santa Fé. Parado em um cruzamento, acendeu um cigarro, e olhou no painel. Um post-it colado.
Juliana 7547-5555
Saio às 18hs
Olhou no relógio, eram cinco e meia. Pensou nos peitos. Deu uma tragada. Pensou nas pernas. Pegou a direita em direção à lanchonete.
Faltando quinze minutos para as seis da tarde encostou o Opala em frente à lanchonete. Um lugar simples, mas limpo. Gabriel desceu do carro e ficou encostado no capô. Acendeu um cigarro sem muita pressa, cruzou os braços e aguardou. Pelo vidro ele olhou a linda mocinha que quando vinha atender a mesa da frente olhava para ele e sorria. Bateu seis horas e a garota saiu do bar. Com uma bermuda jeans bem curta prensando suas belas coxas. Uma blusa de regata branca demonstrando anatomicamente todo o porte dos seus seios. A blusa acabava pouco abaixo do umbigo deixando caída uma borboletinha pendurada do piercing. Os cabelos castanhos claros voando quase em câmera lenta enquanto ela caminhava em sua direção. Os óculos escondiam seus belos olhos castanho claros. Chegou próximo a ele deu-lhe um lento beijo no rosto.
- Não imaginei te ver denovo. E não sei nem seu nome – disse ela sorrindo e jogando os cabelos para o lado.
- Ah, porque ninguém nunca me leva a sério? – Gabriel falou dando uma gargalhada – E aí amor, onde você quer me levar? Ahhh... – bateu a mão na cabeça – já ia me esquecendo. Gabriel Ruschel às suas ordens. – fez uma reverência com uma cara de malandro.
- Muito prazer Gabriel. E respondendo a sua pergunta, depende, vamos rodar por aí e decidimos no caminho.
- Perfeito. Entra aí lindinha – abriu a porta para ela e deu a volta no carro.
Gabriel ligou o carro e saiu dirigindo. Ligou o rádio e começou a tocar Highway to Hell.
- Me diga meu anjo, o que uma linda mulher como você faz trabalhando em uma lanchonete daquelas?
- Se eu trabalhasse em uma boate você não me faria essa pergunta. Aqui em Santa Fé as mulheres que se cuidam são: ou madames sustentadas pelos maridos, ou garotas de programa ou donas de um negócio. Poderiam ser modelos, mas às que tem a oportunidade vão embora daqui.
- Ok, ok. Vou refazer a pergunta depois desta resposta muito bem elaborada. O que uma linda mulher como você faz trabalhando em uma lanchonete? É bonita e inteligente demais para atender em um balcão.
- Era dos meus pais. Eles faleceram e eu fiquei cuidando do negócio. Não quis me desfazer de tudo que eles conquistaram. Aí mantive a conquista deles. Ganho o suficiente para me manter.
- Hum. Entendo. Mas me diga, porque deixou aquele papel? – ela o olhou com um olhar esnobe.
- Talvez, porque me interessei em você?
- Siiimm isso eu sei amor, mas porque se interessou por mim? Caras como eu deviam ter uns quinhentos dentro da lanchonete aquele dia. – ela deu uma gargalhada.
- Gabriel, por mais que não pareça eu leio e me mantenho informada. Temos a internet como uma ferramenta muito útil. Adorava a tua coluna no Jornal da Capital. Eu já te conhecia, bobinho. Ou achou mesmo que eu iria cair naquela cantadinha de buteco? – Gabriel a olhou com um sorriso.
- Ahhhh. Safadinha. E disse que não sabia nem meu nome.
- Tu pode não saber, mas muita gente te conhece por aqui. Tua coluna era muito comentada pelos colunistas do Diário de Santa Fé.
- Agora tudo faz mais sentido. E preciso admitir, eu estranhei muito você cair naquele papo furado. Mas pensei que de repente não teria resistido ao meu sujo e desleixado charme. 
Ambos caíram na gargalhada. Gabriel seguiu dirigindo até parar em frente ao seu hotel.
- Eu preciso pegar umas coisas. Você quer subir?
- Gabriel – olhou Juliana com uma cara de desprezo – só porque eu tenho 20 anos você acha mesmo que eu sou tão inocente? Vamos fazer o seguinte. – colocou a mão sobre o joelho dele e foi subindo – Eu passo a noite com você se confirmar que você é tão bom quanto escreve. – sua mão estava entre as pernas dele e ela deu-lhe um suave beijo nos lábios.
- Te prepara para passar o ano todo aqui então amor – Gabriel agarrou-a pelos cabelos da nuca e a beijou com força.
Os dois desceram do carro e subiram. Quando chegaram ao quarto, ela entrou na frente dele e caminhou devagar em direção a cama. Deu uma olhadinha para trás, com um belíssimo sorriso, e foi baixando lentamente uma das alças da blusa. Gabriel foi na direção dela e a agarrou por trás. Caíram na cama.
O despertador tocou e Felipe abriu os olhos. Olhou em volta, admirando o quarto do seu novo apartamento. Um apartamento de dois quartos em um edifício antigo do centro de Santa Fé há quatro quadras do Jornal onde Felipe havia conseguido emprego. Felipe Santos era de uma família de fazendeiros do interior, do interior do estado. Tinha um porte atlético, cabelos escuros, olhos castanhos, uma curta barba. Completou 22 anos, concluiu o curso de jornalismo e decidiu mudar-se para Santa Fé para trabalhar no diário. Missão cumprida. Hoje seria seu primeiro dia. O inicio de sua promissora carreira. Primeiro como repórter, depois colunista e assim por diante. Esse era o plano. Carreira que seu pai dizia ser perda de tempo. Dizia que seu futuro era cuidar das terras da família. Passou muito longe.
Felipe levantou da cama, fez a barba, tomou banho e foi para a cozinha tomar café. Em cada cômodo que entrava, ficava a admirar sua nova casa. Só faltava agora, arranjar alguém que quisesse dividir as despesas. Preparou a cafeteira, a ligou, fez duas torradas, colocou na torradeira e sentou-se para esperar ambos ficarem prontos. Ficou pensando quem seria seu chefe. Havia possibilidade de ser o próprio Gabriel Ruschel, o qual era fã das colunas que escrevia no Jornal da Capital. Pensou que seria a melhor escola para ele, mesmo achando que seu ídolo tenha sido meio antipático no primeiro contato. Felipe estava sentindo aquele frio de ansiedade na barriga. Tinha acordado uma hora antes do que precisava para fazer tudo e ir para o jornal. Estava pronto, café tomado, barba feita. Tudo perfeito para o inicio de sua grande carreira. Pegou a chave pendurada ao lado da porta e saiu. Caminhando pela rua, quase corria de tão rápido que andava. O nervosismo tomava conta do corpo. Hoje era o dia. Seu primeiro emprego exatamente na área que sempre quis trabalhar, com web. Afinal, esse era o futuro do jornalismo, pensava ele. Chegou ao jornal e apresentou-se na recepção.
- Olá, meu nome é Felipe Santos... Eu gostaria de falar com a Senhora Patrícia. – o nervosismo o fazia gaguejar. A garota virou-se para ele e respondeu.
- Ahh... você é o novo jornalista. Pode subir. Fica no terceiro andar.
- O obrigado.
Entrou no elevador, suando, tremendo, mordendo os lábios. O elevador parou e ele saiu na porta. Olhou para a esquerda, depois para a direita e avistou Patrícia. Foi em sua direção.
- O olá dona Patrícia, sou o Felipe Santos, eu começo hoje.
Patrícia levantou os olhos do papel que estava lendo. Notava-se perfeitamente o mau humor.
 - Pode sentar – respondeu ela de forma curta e grossa. Não disse mais nada e voltou a ler. Felipe sentiu o suor escorrer em sua testa.
Passaram dois minutos e ela olhou para Felipe.
- Vamos esperar o seu novo chefe chegar e começar as apresentações e especificações do trabalho. E se me chamar de dona de novo, vou te demitir antes de te admitir. Estamos entendidos?
- Sim do... – travou e recomeçou – sim Patrícia? – com uma cara de quem questiona com medo de estar errado.
- Vamos nos entender - ela abriu a gaveta e largou o jornal na mesa à frente dele e continuou – Fique a vontade.
Felipe agradeceu e começou a folhear o diário. Havia passado meia hora desde o horário marcado e Patrícia começava a bufar.
No hotel, Gabriel acordou, e olhou em volta. A linda Juliana havia sumido. Será que fui tão ruim assim, pensou. Foi até o frigobar e pegou uma garrafa de água. Tinha suado demais na noite passada e sua garganta estava seca. Tomou meia garrafa, guardou de volta, bateu a porta do frigobar com um chute e foi em direção ao banheiro. Olhou no espelho e havia um recado escrito com um batom vermelho.
Adorei a noite. Fui embora, pois preciso abrir a lanchonete às 10hs. Bjinhus
Gabriel arregalou os olhos e virou-se lentamente para o quarto. Olhou o despertador sobre o criado mudo. Era nove e meia da manhã e ele devia estar as nove no jornal. Neste momento só podia pensar em uma coisa para dizer: Puta merda.
A porta do elevador do terceiro andar abriu-se. No relógio marcava 10 horas da manhã e Gabriel seguiu caminhando com passos rápidos em direção a mesa de Patrícia. Patrícia e Felipe estavam conversando. Gabriel passou pela mesa de Cristina que se levantou.
            - Biel. Está atrasado. Ela está fulminando de raiva. Não foi um bom começo.
            Gabriel lhe deu um abraço e um beijo no rosto.
            - Meu anjo, você sabe que eu gosto de viver perigosamente – falou com um sorriso falso.
            - Vai, vai logo – Cristina respondeu com um belo sorriso – e que Deus te ajude.
            Toda a redação parou para ver a chegada do novo e atraente empregado chegando atrasado no seu primeiro dia. Aproximou-se da mesa de Patrícia e falou.
            - Bom dia minha linda e sexy chefe – Patrícia lhe respondeu com um olhar assassino.
            - Bom dia... hã... quem é você mesmo?
            Felipe levantou-se educadamente e esticou a mão para Gabriel.
            - Olá, sou Felipe Santos às suas ordens.
            Gabriel apertou a mão dele, lhe deu um tapinha nas costas e disse:
            - Aham. Bom então busca um café pra mim. Duas colheres, por favor.
            Patrícia observou a cena e fulminou Gabriel com o olhar. Virou-se para Felipe que estava saindo para acatar a ordem.
            - Felipe sente-se aí – a aparência de fúria assustou Felipe – Você está uma hora atrasado. Não é assim que as coisas funcionam aqui. Que seja a primeira e última vez. Não costumo repetir. E vamos começar de uma vez que eu tenho mais o que fazer.
            Patrícia começou a explicar em que consistia o trabalho dos dois. Gabriel ficaria coordenando o conteúdo do site e Felipe postaria e editaria as matérias. Enquanto Felipe escrevia em um caderno tudo que Patrícia dizia, Gabriel estava sentado com as pernas cruzadas folheando o jornal sobre a mesa sem dar a mínima atenção à sua nova chefe. Patrícia finalizou a reunião e disse:
            - As mesas de você são aquelas lá do outro lado da redação. Eu preciso que todo o conteúdo de hoje que os repórteres produzirem seja postado em tempo real. Por enquanto é só isso. Alguma pergunta?
            Gabriel olhou para os lados, virou-se para Patrícia e disse.
            - Onde é o banheiro aqui. Acho que o peixe frito que comi ontem estava meio passado – Patrícia ignorou a pergunta.
            - Bom podem ir então. Outras questões perguntem para a Tina que ela responde. Sumam da minha frente.
            Foram para suas respectivas mesas, e Gabriel foi adiantando-se.
            - Buenas garoto, vamos estabelecer algumas regras. Falamos um com o outro só o necessário e sobre trabalho. Nada de desabafos, choradeiras ou coisas do gênero, pois meu ouvido não é pinico. Cada um faz o seu trabalho e ponto final.
            Felipe concordou com a cabeça sem saber o que dizer. Sentaram, ligaram os computadores e começaram a trabalhar.
            Gabriel era uma pessoa observadora. Podia estar de cabeça baixa, olhando para a tela do computador, mas estava sempre atento ao que acontecia ao redor.  Ficava sentado com uma xícara de café em sua mão, e escrevendo seus textos. Adorava escrever. Escrevia sobre tudo que acontecia de importante no seu dia. E a partir dali escrevia seus artigos e crônicas. Enquanto escrevia, Felipe estava de cabeça baixa, concentrado. Quando parou de escrever, virou-se para Gabriel.
            - Postei no site duas notícias se quiser dar uma editada – disse Felipe sem levantar a cabeça.
            Gabriel respondeu com um simples “hum”. Começou a ler as notícias e ficou perplexo. Nada que o garoto escreveu necessitava de edição. A didática era perfeita. Pensou que adoraria saber escrever assim quando saíra da faculdade. Isso teria lhe aberto muitas portas. Ele podia ser uma pessoa meio rabugenta e não gostava muito de relacionar-se, mas sabia valorizar o trabalho de quem merecia. No horário do almoço, passou pela mesa de Felipe e colocou a mão em seu ombro.
            - Vamos almoçar garoto. Eu pago – Felipe achou estranho. Pelo que havia percebido da personalidade do novo chefe, isso soava muito estranho. Mesmo assim aceitou.
            Pararam na porta do elevador um do lado do outro e Gabriel olhou o garoto de cima a baixo.
            - Muito boas suas notícias. Vamos nos dar bem.
            - Obrigado senhor.
            - Biel – disse Gabriel
            - Hã?
            - Me chama de Biel. Senhor, me envelhece uns dez anos.
          Felipe sorriu. Pegaram o elevador e saíram do prédio, em direção ao restaurante do outro lado da rua. Entraram no restaurante, serviram-se e sentaram. O telefone de Felipe tocou e ele atendeu.
            - Alô. Sim é o Felipe. Sim. É um bom apartamento, dois quartos, o aluguel sai 350 reais para cada um, mais as despesas com comida. Muito caro. Bom, caso mude de idéia, a proposta está feita. Ok, abraço.
      Gabriel continuou comendo enquanto ouvia a ligação. Pensou que seria perfeito. Totalmente dentro de seu orçamento. Só precisaria comprar uns móveis e estava pronto. Olhou para Felipe e disse:
          - Pode parar de procurar. Eu aceito a proposta do apartamento, estou procurando um lugar para morar mesmo – Felipe não sabia o que dizer. Abriu a boca, mas não disse nada.
            - Depois do trabalho vamos comemorar. Vou te levar em um bar de um amigo.
            - Mas temos que trabalhar amanhã – disse Felipe em tom indeciso.
           - Não dá nada garoto. A vida é curta demais para preocupar-se com o amanhã. Foda-se.
             No final da tarde, Gabriel e Felipe estavam saindo do jornal em direção ao apartamento que dividiriam. Gabriel parou, entrou no Opala e abriu a porta do carona. Felipe entrou. Chegaram ao apartamento e Felipe mostrou o quarto para Gabriel, que era o único local não-mobiliado da casa. Gabriel virou-se para ele e disse:
           - Perfeito. Amanhã só irei comprar alguns móveis - passou em direção a sala e olhou para a geladeira – geladeira grande. Vou ao mercado, já volto.
           Bateu a porta e saiu. A ficha de Felipe ainda não havia caído, tudo tinha acontecido rápido. Começou a questionar-se se seria uma boa idéia. Pensou, pensou e concluiu que não devia ser tão ruim. Afinal, cada um teria o seu canto. Felipe era um cara tranqüilo quanto a dividir, afinal, era caçula de três irmãos e duas irmãs.
             Sentado no sofá, pensando em sua infância ouviu a porta abrir. Gabriel largou sobre a mesa quatro sacolas com garrafas de cerveja e três garrafas de vodca.
           - Aí garoto, agora vamos ocupar essa geladeira de mantimentos essenciais – disse enquanto descarregava na geladeira – vou dar uma saída, volto mais tarde – antes de fechar a porta concluiu – ahhh, deixa umas roupas de cama no sofá para mim. Fui.
         Sem saber o que dizer, e meio arrependido, como estava quando ele entrou, ficou quando a porta se fechou. Tentando amenizar o arrependimento ficou falando sozinho enquanto deixava as roupas de cama no sofá.
            - Não pode ser tão ruim assim.
          Felipe foi para o banheiro, tomou um banho e deitou-se na cama. Logo adormeceu. Acordou com a porta batendo. Olhou para o relógio. Eram três horas da manhã. Primeiramente ouviu risadas, parou um momento e começaram os gemidos. Felipe suspirou e olhou o relógio. Os gemidos estavam mais altos. Felipe olhando para o teto do quarto falou para si mesmo.
            - Que bosta que eu fiz?

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Perfumes baratos

      Acordei, tomei um banho, me arrumei e saí. Cheguei no ponto de ônibus e comi um salgado gorduroso com um copo de refrigerante. Já não estava muito legal devido ao ar condicionado do estúdio no ensaio de ontem. Acordei com aquela mesma sensação de gripe de antes. Entrei no ônibus, sentei, reclamei comigo mesmo sobre a merda dos espaços entre os bancos que fodem as minhas pernas. Sim eu tenho 1 metro e 10 centímetros só de pernas. Já viajo os 45 minutos até o centro de Porto Alegre meio desconfortável devido a isso. Sentado, abri a mochila, peguei o Bukowski e continuei lendo. Conforme as pessoas iam entrando, o ar dentro do ônibus ia me sufocando. Eu só conseguia pensar em quem era a filha da puta que tinha tomado um banho de perfume. Um perfume com um aroma comum, daqueles bem, mas bem vagabundos. Não conseguia nem ler mais. Guardei o livro. Em uma tentativa frustrada, levantava a cabeça próximo a janela para o ar limpar meu pulmão daquele cheiro desgraçado. Consegui dormir um pouco. Acordei parado na sinaleira da entrada da Mauá. Passaram “4 horas” ali parado. Na realidade um minuto. Mas nossa, foi o minuto mais longo da minha vida.
      Estava enjoado e com dor de cabeça. Quando você está de saco cheio de um determinado aroma, parece que seu nariz cria uma super-ultra-sensibilidade. Desci do ônibus e conseguia sentir e decifrar todos os cheiros. Primeiro o cheiro da fumaça dos carros, misturado aos perfumes das pessoas que passavam à um metro de mim, com o cheiro das agropecuárias, das fruteiras, das frituras, das floras. Chegando perto do Mercado pensei e dei graças por não precisar entrar nele, mas lembrei do cheiro de peixe. Nossa, certamente eu iria vomitar. Por mais incrível que pareça, foi o melhor cheiro que senti nesta manhã. O único que não me afetou negativamente. Comprei um refrigerante e segui minha caminhada. Chegando na frente do trabalho, a banda marcial da Brigada estava tocando em frente a Igreja das Dores. Pensei comigo: “Hoje tem alguma data especial? Para quê tanto? Porra são 9 da manhã.” Cheguei no trabalho, elevador quebrado, usei o outro do outro lado do prédio. Cheguei na minha sala. Porta fechada. Tinha que ir até o setor do apoio buscar a chave. Desci as escadas. Chamei o apoio subimos as escadas e abriram a porta. As térmicas com café e água quente para o mate estavam na porta. Entrei, coloquei as térmicas no lugar, servi um café e fui para minha mesa. Esse foi mais feliz desde que acordei.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Santa Fé - Capítulo I

Em frente ao ItalyPub, um dos bares mais clássicos da cidade de Santa Fé, encostou lentamente um Opala 1967 com carcaça completamente original. Um ronco de motor que soava como se tivesse saído da fábrica há alguns instantes. O segurança, que aguardava o bar abrir, estranhou a movimentação. Neste horário raramente aparecem clientes. A porta do motorista abriu lentamente, e saiu do veículo um alemão descabelado, de óculos escuros naquele final de tarde de horário de verão. Uma camisa de flanela sobre uma regata branca, com um jeans aparentemente sujo e um cigarro no canto da boca envolto a uma mal feita barba. Alto e com um porte musculoso, visivelmente relaxado e atacado pela idade, o homem, aproximou-se da portaria. O segurança cerrou o rosto e cruzou os enormes braços adiantando-se.
- O bar ainda não está aberto – disse o segurança com uma voz grave ao homem que estava quase o empurrando com o ombro – vai ter que esperar.
O homem colocou os óculos na cabeça e soltou a fumaça do Marlboro vermelho no canto de sua boca.
- Diz para o Marcelo que o dono daquela bunda peluda dele está aqui.
O segurança fez uma cara de despeito e respondeu com a voz mais grossa ainda.
- Da parte de quem, posso saber?
- Diz que é o cara que comia aquela velha gostosa da mãe dele. Ele vai saber quem é.
O segurança entrou no bar sem dizer nada. Atravessou o salão até um espaço reservado do bar onde Marcelo estava sentado em frente ao seu laptop com um copo de Red Label de um lado, e duas linhas de cocaína do outro com uma bagana de maconha na boca. Sentadas a sua frente duas lindas jovens garotas, que com seus vinte e poucos anos, alucinavam as noites de sexta-feira do local. O segurança foi até o ouvido de Marcelo e repetiu exatamente o que o homem lhe disse. Ele respondeu com uma risadinha de canto de boca. Levantou, tomou um gole do seu copo e caminhou em direção à porta.
Marcelo saiu do bar e olhou a sua frente. Encostado no velho Opala, o seu velho amigo de mais de 25 anos. Com seus temperamentos típicos da descendência italiana primeiramente sem dizer nada, abraçam-se e beijam-se no rosto. Marcelo disse em voz alta.
- E aí seu filho da puta de merda. Achei até que estava até morto... – faltaram-lhe as palavras. – Como está depois que... – percebeu o sorriso no rosto de seu amigo desaparecer... – Foi mal velho, sabe que não sei lidar com essas coisas.
- Tudo bem meu irmão, não quero falar disso. Quero uma vodca e umas piranhas. Isso é possível?
- Você sabe que comigo isso sempre é possível. Vamos entrando. – ao passar pelos seguranças Marcelo disse – Esse é meu amigo Gabriel Ruschel, ele tem passe livre sempre. – os seguranças acenaram com a cabeça, seguido de um “sim senhor”.
Eles entraram no bar, juntaram-se as garotas, Marcelo apontou para as linhas sobre o prato transparente e gritou ao garçom.
– Vodca!
Gabriel sem muitos rodeios pegou uma nota de cinco reais e enrolou. Neste momento a afinidade dos dois era quase psíquica. Não precisavam conversar sobre certas coisas, pois só um olhar bastava. Marcelo sabia que não precisava perguntar a Gabriel como estava depois do falecimento da esposa. Ainda mais porque Gabriel não contaria. Entre doses de vodca, piadas infames, cigarros e tecos no prato de vidro, Gabriel foi perdendo a consciência depois da primeira garrafa de Orloff. Marcelo ao observar o amigo começou a lembrar que ficou sabendo da morte da esposa de Gabriel somente uma semana depois do velório. Soube mais pela reportagem no jornal, onde o amigo era colunista, do que ele disse quando ligou para dar-lhe os pêsames.  Ficou pensando o que o amigo teria feito nos seis meses de anonimato depois da perda. Conhecia-o melhor que ninguém. Sabia que ele devia ter se trancado em casa para sua mente ir consumindo-o aos poucos. Gabriel não demonstrava sentimento algum por pior que fosse a tensão. Mas, quando não conseguia, desaparecia do mapa. Marcelo tinha certeza que deviam ter sido dias negros, pois sabia o quanto ele a amava. Ela o tirou de uma vida de boemia onde gastava todo o seu dinheiro com bebidas e prostitutas. Então, se apaixonaram e mudaram-se para a capital. Gabriel queria encontrar uma forma de redenção pela vida que levava e por todas as pessoas que havia magoado.  E Marcelo só conseguia senir que o retorno de seu amigo a Santa Fé seria provavelmente o princípio de um triste fim.
Gabriel acordou atirado no sofá do espaço reservado do bar. Sua cabeça doía. Sua boca com gosto de cigarro misturado ao cheiro de cerveja derramada na mesa ao lado lhe embrulhavam o estômago. O perfume barato das mulheres que estavam com ele na noite passada estava impregnado em sua roupa. O bar estava vazio e a porta entreaberta com a claridade do amanhecer invadindo o salão. Sentindo um mal estar, correu na direção do banheiro, tropeçou em algumas cadeiras devido à tontura e enfiou a cabeça no vaso. Marcelo abriu a porta e encostou-se na parede com rosto sério.
- Não tem o que eu possa te dizer meu irmão. Não sou um exemplo de vida, e por isso não dou conselhos. Poderia perguntar se você quer conversar sobre o que aconteceu. Mas sei que você não vai querer.
Gabriel tentou responder, mas o vômito quase lhe afogou. E Marcelo prosseguiu:
- Conheço você a muito tempo Biel. Sei bem o que você está pensando e sentindo. Além dela, a única pessoa que te conhece o suficiente pra decifrar essa mente confusa e complexa... sou eu.
Gabriel levantou rápido demais e foi obrigado a segurar-se na parede:
- Pois é... você me conhece muito bem... sendo assim... não preciso dizer o que eu ia te dizer agora não é mesmo? – Levantou-se apoiado nas paredes e saiu do banheiro. Atravessou o salão com passos rápidos, porem debilitados pela tontura, saiu do bar e entrou no Opala.
Dirigindo por Santa Fé, cansado, com sono Gabriel pensava no quê fazer. Tinha certeza somente de que naquele momento não queria ainda voltar para o hotel. Eram quase nove da manhã e estava com fome. Seu estômago parecia como se tivesse um buraco e sua cabeça recebia marteladas constantes. Estacionou o carro em frente a uma lanchonete. Andou alguns metros até uma banca de revistas e comprou um jornal. Voltou à lanchonete e sentou em uma mesa na calçada. Pensou se por acaso seria muito cedo para comer um cheeseburguer às dez da manhã. Folheando os classificados encontrou um anúncio interessante.
“Diário de Santa Fé procura Jornalistas com experiência para os cargos de Repórter e Editor Chefe para edição Online. Comparecer 2ª feira munidos de documentos. Inicio imediato.”
Era uma idéia bem interessante. Seu currículo lhe daria a vaga certamente se não fosse por um detalhe: ele conhecia muito bem quem seria sua chefe.
Patrícia Santana havia sido sua colega e namorada na faculdade. O namoro durou até Patrícia descobrir que ele transava com uma amiga dela ao mesmo tempo. Mesmo assim, se tornaram grandes amigos, até ele se formar e mudar-se para a capital sem nem ao menos dar adeus. Ele era bem consciente e a conhecia muito. E ela provavelmente deveria ter muitas mágoas deste detalhe. Seriam momentos muito tensos entre os dois. Afinal, passaram dez anos sem nenhum contato.  Mas como estava sem muitas opções, era o que restava. Ir à entrevista e deixar a merda acontecer.
No dia da tal entrevista, acordou cedo, tomou banho e vestiu o mesmo estilo de sempre sem muita preocupação com a aparência. Saiu do hotel e no caminho até o jornal, passou em um café para tomar um cappucino e comer uma empada de frango. Era o que o dinheiro dava, pois os cartões estavam estourando. A atendente era garota de seus 18 anos com um corpo espetacular. Gabriel debruçou-se no balcão para olhar suas pernas perfeitamente vestidas com uma calça bem colada ao corpo. Uma blusa bem justa formava um magnífico decote. Enquanto pensava que os seios da garota caberiam perfeitamente em suas mãos, a garota fixou-o nos olhos e disse com um rosto sério e voz clara demonstrando seu total desconforto com a situação:
- Mais alguma coisa?
Ele se recompôs do momento de reflexão erótica, e meio sem jeito, levou a situação de forma irônica na tentativa de amenizar a situação.
- Telefone, RG, CPF, endereço, Msn, Twitter, Orkut, Facebook... enfim, algum meio de comunicação – mudou a fisionomia e prosseguiu – Brincadeira amor. Perdoe a minha falta de classe, não pude me conter.
Raramente alguém cairia nesta cantada furada, mas foi à única coisa que lhe veio em mente para acabar com aquela situação embaraçosa. A garota respondeu com um sorrisinho ingênuo. Virou-se para pegar o açucareiro e voltou apontando para o papel pendurado nele com um sorriso agora lindíssimo no rosto:
- Posso tirar este papel com o meu nome e telefone então?
O sorriso da garota era perfeito. O conjunto da obra era perfeito. Enquanto tomava seu café e comia sua empada, a garota atendia os outros clientes e o olhava com seu rostinho meigo.  Pagou e saiu, não esquecendo o papel com o telefone da garota. Juliane. Seguiu em direção ao jornal que era à algumas quadras dali. Na sala de espera, sentou ao lado de um garoto de óculos, com seus vinte e poucos anos. O rapaz virou-se para ele e foi logo se apresentando:
- Você é Gabriel Ruschel não é? Meu nome é Felipe Santos, gosto muito do seu trabalho. O seu artigo sobre a Política dos Porcos foi incrível, e...
Sem dar a mínima importância para o que o garoto estava dizendo, olhou fixamente para a mulher sentada na mesa, próxima da sala de reunião onde estavam acontecendo as entrevistas. Levantou e aproximou-se da mulher.
- Moça. Você poderia dizer onde fica o banheiro? - a garota levantou os olhos e eles encheram-se d’água - Eu estou com um sério problema de diarréia e meu intestino está quase saindo junto pelo meu rabo.
Cristina levantou-se e abraçou Gabriel com muita força. Sem tempo de trocarem nenhuma palavra, um dos outros concorrentes à vaga saiu da sala e disse que o próximo poderia entrar. Era a vez de Gabriel. Pela análise que fez das outras pessoas que concorriam à vaga enquanto o garoto falava, não via ninguém que estivesse à altura de sua experiência. E de seu ego. Ele tinha um reconhecimento muito bom pela sua coluna no principal jornal da Capital. Pensou que certamente a vaga estaria no papo.
Quando entrou na sala, Patrícia estava de cabeça baixa fazendo anotações. No caminho até a cadeira a sua frente, lembrava dos tempos de faculdade, do namoro relâmpago dos dois e principalmente de como era bom conversar com aquela linda e alta loira de olhos verdes. E o mais interessante de tudo, foi ver o quanto ela continuava linda. Com seus loiros e escorridos cabelos até a cintura. E pensou em como o tempo pode fazer bem a uma mulher. Toda essa análise aconteceu no primeiro, dos três metros de caminhada da porta da sala até a cadeira. No segundo metro, começou a bater uma ansiedade e no terceiro ele só pôde fazer uma coisa. Ser ele mesmo. Sentou na cadeira, colocou os pés na mesa, bateu levemente a mão na mesa e disse:
            - E aí minha loira, quando eu começo? - Neste momento Patrícia levantou os olhos levemente, como se olhasse para um fantasma.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Santa Fé e o bendito nome do blog

            Santa Fé é uma série que comecei a escrever a um mês atrás mais ou menos contando a história de um cara que sofreu um ataque do destino. Gabriel Ruschel era um estudante de jornalismo da cidade de Santa Fé que vivia uma vida completamente desregrada. Vivia rodeado de garotas e bebidas. Pouco antes de concluir o curso conheceu a mulher de sua vida. Formou-se e foi morar com ela na Capital. Dez anos depois ela morre em um acidente de carro, ele deixa seu emprego promissor no principal jornal da cidade e volta à Santa Fé. Fugindo das lembranças volta também a sua vida de bohemia e promiscuidade. Gabriel reencontra seu amigo de infância, seus problemas com o irmão e com o pai, conhece um jovem recém formado com quem passa a morar e começa a trabalhar para sua ex-namorada da universidade no jornal local. Em meio ao retorno e a tentativa de se restabelecer, ele encara conflitos com o seu passado e com o presente. Escreverei uns doze capítulos e vou postando. Depois vou fazer uma nova edição mais bem elaborada.
            Vou aproveitar para colocar, caso tenha ficado a curiosidade, o porquê do nome do blog. Para escolher o nome me baseei nos HQ’s de Neil Gaiman, Sandman, que tem uma série com o nome de Prelúdios e Noturnos. O substantivo masculino Prelúdio significa Exercício preliminar ou primeiro passo, que demonstra meu início na arte de escrever. Sim eu não gostava de português na escola, e sinceramente aprendi a escrever na faculdade de Jornalismo, por pior que isso possa parecer. Peguei o gosto pela leitura na faculdade também, isso que, comecei o curso com 22 anos. A partir daí, vocês podem ter uma idéia. E o significado de Noturnos é devido ao fato, que eu escrevo, normalmente, entre à meia noite e às quatro horas da manhã. Em um contexto significaria noturna iniciação ou algo parecido. Resumindo achei o nome legal então coloquei. Um abraço a todos e espero que gostem da minha forma amadora e direta de escrever.  

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Os gritos das araras

            No meu longo trajeto do Camelódromo até o Tribunal, fico ouvindo música e analisando as belezas rústicas e sujas do centro de Porto Alegre. Caminhando no fervor de 35 graus do final de janeiro, sigo com meus passos largos e lentos pela Júlio de Castilhos. O formigueiro de pessoas descendo dos coletivos correndo em direção a Voluntários da Pátria, os mendigos deitados nas calçadas, buzinas, fumaça, assovios e os gritos das araras em uma sincronia sinfônica comum em toda grande cidade. Atravesso o Mercado Público como todos os seus aromas, muitas vezes enjoativos, de peixes de um lado e ervas de outro em meio à confusão de passos dos mais variados ritmos.
            Consigo achar Porto Alegre uma cidade bela mesmo com suas deficiências. Passando em frente à Prefeitura com suas pombas, seguindo para a Avenida 7 de setembro. Os belíssimos prédios tão puros e cheios de marcas da umidade e infiltração. Mais mendigos, mais formigas e mais fumaça. Atravessando a praça da Alfândega é possível sentir uma pitada do cheiro de rio que atravessa os edifícios e os carros vindo do Cais do Porto. E o suor é tão corrente como o Guaíba. A pouca vegetação do trajeto tenta amenizar com suas pequenas sombras em meio aos grandes edifícios, porem, em vão. Chegando no trabalho, em meio, aos quartéis do Exercito, Brigada e Marinha, apago o cigarro olhando meu reflexo na porta de vidro e penso que ao abri-la, receberei o choque térmico do ar condicionado que ira deixar minha vida muito mais feliz acompanhada, posteriormente, por um belo resfriado em pleno verão.
Escrita originalmente em 27 de janeiro de 2011.

Às novas Julietas


            No meu tempo os filmes romance-dramáticos tentavam ao menos, ser o mais realista possível. O amor era demonstrado com suas virtudes e sofrimentos, sem todo aquele exagero Romeu e Julieta de amar. Concordo que para a época era o que as pessoas queriam ler. Outros tempos, outra literatura. O sonho de amor perfeito de todas as donzelas que molhavam as calcinhas lendo as declarações de amor, esperando um dia ser uma Julieta. Eu acho forçado demais, pois, mesmo naquele tempo, o mais fiel dos Romeus devia virar algumas noites mordendo seios de prostitutas bêbado nos bordeis da região. E é comprovado na história: o amor, assim como a política ou a sociedade de modo geral, sempre pode ser corrompido. Nem o mais leal dos cães vai passar fome com o dono se puder comer com um desconhecido.  Ok. Essa dos cães ficou uma bosta e, sendo assim, vou usar uma mais popular: O quintal do vizinho é sempre mais verde... E realmente ficou melhor.

          Olhando os filmes da série de Sthefany Meyer, pensei muito a respeito de amor, romance, essa fidelidade deturpada da minha geração, etc. É o Romeu e Julieta do Século XXI com uma pitada mítica para dar um diferencial. Demonstra a mentalidade adolescente da geração de minha irmã. Querem amores impossíveis, são inseguras, sonham com os príncipes encantados que não existem, ou existem e elas procuram nos lugares errados, ai acreditam no primeiro babaca que aparece falando coisas bonitas para transar, tomam um pé no rabo, ai ficam frustradas o resto da vida e dizendo que todos os homens não prestam. Mulheres não digam que não é verdade porquê é, ok?  Antes as donzelinhas queriam um Romeu para morrer por elas e hoje querem um Eduard (o amor impossível) enquanto flertam com um Jacob (o que era um ninguém antes e hoje é um ninguém saradão). Fui só eu que achei a tal da Bela bem vadiazinha? Dizer ser apaixonada por um e ficar, literalmente flertando com o outro enquanto o cara está longe. Mas tirando a parte dos vampiros e lobisomens, que eu achei uma encheção de lingüiça, o que há de real neste amor deles alem de demonstrar o quão são iludidos (e continuarão sendo) esses projetos de mulher. Se é que um dia existiu algo assim.
            O amor e o sofrimento são gêmeos siameses. Sofremos por saudade, de ansiedade contando as horas para ver a(o) namorada(o), sentindo ciúmes, desconfiando, ou seja, de alguma forma por mais felizes que sejamos com tal criatura em algum momento vamos sofrer por alguma coisa. Antigamente as pessoas sabiam lidar melhor com essas coisas. Mesmo com todas as dificuldades lutavam pelo relacionamento com unas e dentes. “Essa foi a pessoa que escolhi e pronto”. Prova disso é o número considerável de separações nos últimos 30 anos. É fácil assim, casar e se não der certo, foda-se. Bola para frente. Chamam os advogados, assinam os papéis, separam os bens, e ponto final.
             Esses romances cinematográficos estão acabando com a realidade e humanidade dos relacionamentos. Tudo sempre dá certo. E as mulheres adoram. Torna-se a forma de tentar buscar em algum lugar o que nunca vão ter, pois vamos ser sinceros, esse amor que estão colocando na cabeça dessas futuras infelizes e frustradas mulheres, NÃO EXISTE. Fica a dica a vocês que estão entre os 12 e os 17 anos. Sabem aquele garoto da sua sala, que não é feio, mas não é o malandrinho que usa roupas de marca e fica fazendo bagunça? Esse é o cara perfeito pra você. Hoje ele pode ser um ninguém, mas tenha certeza, que esse vai ser o dono da empresa (gatão, bem arrumado, e cheio de grana) onde os seus futuros e ignorantes maridos (esses malandros que vocês tanto veneram na escola), vão se matar de trabalhar.
Escrito originalmente em 26 de janeiro de 2011.