Tenham bom senso

"Não é porque eu escrevo sobre drogas, alcoolismo, mulheres fáceis, noites difíceis, depravação e sexo sem compromisso que eu sou um completo desregrado. Compreendam o limite entre realidade e ficção ou simplesmente morram nesse mundo politicamente correto que lhes consome. A arte imita a vida e vice versa, mas isso nunca será uma regra"


terça-feira, 12 de novembro de 2013

Três pontos na estrada

Desde aquele momento alguma coisa mudou. O cheiro da estrada misturado ao sangue que corria da minha testa, me dava vontade de vomitar. Não sabia bem onde eu estava ou quem eu era e muito menos o que havia acontecido segundos antes. Olhava para os lados e tudo era uma escuridão total. Estava perdido, não escutava nada, não enxergava nada.

As imagens e sons começavam a surgir. Meu telefone tocava, meu amigo recolhia a moto do meio da estrada, que a meu ver, parecia estar em pedaços. Senti uma mão agarrando meu braço me puxando para o acostamento enquanto o telefone continuava a tocar. Começava a enxergar o céu sobre mim e a escuridão ao meu redor se iluminava conforme as faixas da estrada se erguiam.

Por um momento, lembrei o pneu furando e eu tentando manter o controle. Controle esse, que era o resumo da minha vida. Eu havia perdido o controle e caído. Eu tentei segurar o máximo que pude, mas nada estava em seu devido lugar. Eu não devia estar ali, não devia estar naquele emprego, não devia amar aquela mulher, não devia seguir aquele caminho, não devia ter sobrevivido. Minhas mãos sangravam de tanto brigar contra o mundo. E o mundo sempre acabava ganhando.

Até hoje não sei o verdadeiro porque ela ligou naquele exato momento. Eu estava inconsciente, desamparado, sem sentido, sem um rumo. Mas ela ligou. E a única coisa que eu lembro da conversa, foi eu perguntando– Porque tu me ligou agora? Não contive as lágrimas. Lágrimas por não saber o que havia acontecido, por não saber por que motivo ela havia ligado, por não saber por que minha cabeça doía tanto, por não saber onde eu estava e nem o porquê eu estava ali. Eu chorava.

A vida me deu um grande soco na cara. Ali eu deixei de lado o que a pouco havia aprendido. “Não deixe de ser o que você é por ninguém”. As estrelas eram testemunhas do meu fracasso como pessoa, como amante, como homem, como profissional, como filho. E a escuridão que minha mente habitava me levou ao chão. Aos três pontos que marcam meu rosto até hoje.


Preciso volta aquele ponto que me perdi. Preciso buscar naquele ponto da estrada tudo que lá deixei. Toda aquela vontade que ficou esquecida e tatuada no asfalto negro como meu sangue, todo aquele amor que me fazia feliz do seu modo mais dramático, toda aquela vida que me parecia tão minha. Não sei bem o que perdi, mas deixei de lado um enorme pedaço de mim. Pedaço esse que não sei se é bom ou mau, mas me faz muita falta.

domingo, 10 de novembro de 2013

A reportagem sobre o Graffiti

O meu interesse pela pauta sobre graffiti vem de muito tempo. Lembro quando eu voltava da escola com meus 12 anos e no muro de uma escola próxima da minha casa na Zona Norte de Porto Alegre um rapaz marcava as paredes do ginásio com algo semelhante a um pedaço de carvão. Parei do outro lado da rua e fiquei observando. Ele desenhava muito bem. Os traços arredondados de uma parte daquele paredão branco e todo rabiscado de pichações foi sendo preenchido. Tão logo concluiu o desenho marcado a carvão, reconheci o rapper norte americano Tupac Sakur, o “2Pac”, o mesmo de um pôster que estampava a parede do quarto que dividia com meu irmão mais velho. 

O rapaz parou, analisou, fez mais uns rabiscos e abriu a mochila que estava ao lado tirando as latas de tinta spray. Começou um carnaval de cores que ilustravam aquela enorme parede branca e, sem notar, surgiram mais de 20 pessoas ao redor observando. Uns contrariando a obra e fazendo caras e bocas, e outros parabenizando o jovem pelo belo desenho. Bem abaixo da pintura, beirando o chão assinou: “Gringo”. Semanas mais tarde, todos os espaços estavam preenchidos e, o mais interessante era que os pichadores não riscavam por cima do graffite

Mais semanas se passaram e os responsáveis pela escola pintaram todo o paredão de novo. Voltaram às pichações, mas voltou também a arte do graffiteiro com novas imagens. Depois desta, a escola não voltou a pintar. Minha única frustração de escrever essa reportagem foi que, por mais que eu tenha procurado, não consegui encontrar o tal Gringo para entrevistar. 

Acelerar

Acho que não são todas as pessoas que tem a mesma sensação que eu.  Todos os sentidos funcionam em conjunto elevando a mente em um estado de transe preenchendo todos os vazios que a vida traz - bom, nem todos.

Sentir a trepidação nos pés e nas mãos a cada torção do punho. O odor de poeira e fumaça entrando seco pelas narinas junto ao ar frio. Esse mesmo ar frio que entra pelas mangas da jaqueta. O gosto do cigarro misturado ao do café que não sai da língua. O belo som do cano aberto gritando pela sexta marcha que não existe. Os feixes de luz dos carros passando à esquerda e o reflexo da lua nas pequenas ondas do rio à direita. Todos os sentidos sentidos em um compasso perfeitamente impossível de explicar.

Você esquece a falta de dinheiro para fazer tudo que se tem vontade, a falta de tempo para ler aquele livro ou terminar de escrever o seu próprio, as brigas em casa por não ter colocado o lixo para fora ou pelo próprio dinheiro em si, o chefe ligando sobre o trabalho que você tem que fazer, pois ele não tem competência de fazer por si... Tudo desaparece a cada quilômetro.

O tempo que se perde no velocímetro, se ganha em liberdade. Parar em um cruzamento em meio aquela cidade vazia na madrugada, podendo escolher o sentido em que as rodas vão girar. Todas as escravidões do cotidiano vão ruindo a sua frente. Escravidão do dinheiro, do chefe, da esposa, do gerente do banco, da fila do supermercado, do cartão de crédito, do governo, dos impostos, da carteira de cigarro.


Em alguns quilômetros a vida corre a frente de seus olhos e você pensa sobre tudo que aconteceu e pode acontecer e solta o punho deixando a moto reduzir a velocidade. E aí, você acelera.