Tenham bom senso

"Não é porque eu escrevo sobre drogas, alcoolismo, mulheres fáceis, noites difíceis, depravação e sexo sem compromisso que eu sou um completo desregrado. Compreendam o limite entre realidade e ficção ou simplesmente morram nesse mundo politicamente correto que lhes consome. A arte imita a vida e vice versa, mas isso nunca será uma regra"


segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Santa Fé - Capítulo I

Em frente ao ItalyPub, um dos bares mais clássicos da cidade de Santa Fé, encostou lentamente um Opala 1967 com carcaça completamente original. Um ronco de motor que soava como se tivesse saído da fábrica há alguns instantes. O segurança, que aguardava o bar abrir, estranhou a movimentação. Neste horário raramente aparecem clientes. A porta do motorista abriu lentamente, e saiu do veículo um alemão descabelado, de óculos escuros naquele final de tarde de horário de verão. Uma camisa de flanela sobre uma regata branca, com um jeans aparentemente sujo e um cigarro no canto da boca envolto a uma mal feita barba. Alto e com um porte musculoso, visivelmente relaxado e atacado pela idade, o homem, aproximou-se da portaria. O segurança cerrou o rosto e cruzou os enormes braços adiantando-se.
- O bar ainda não está aberto – disse o segurança com uma voz grave ao homem que estava quase o empurrando com o ombro – vai ter que esperar.
O homem colocou os óculos na cabeça e soltou a fumaça do Marlboro vermelho no canto de sua boca.
- Diz para o Marcelo que o dono daquela bunda peluda dele está aqui.
O segurança fez uma cara de despeito e respondeu com a voz mais grossa ainda.
- Da parte de quem, posso saber?
- Diz que é o cara que comia aquela velha gostosa da mãe dele. Ele vai saber quem é.
O segurança entrou no bar sem dizer nada. Atravessou o salão até um espaço reservado do bar onde Marcelo estava sentado em frente ao seu laptop com um copo de Red Label de um lado, e duas linhas de cocaína do outro com uma bagana de maconha na boca. Sentadas a sua frente duas lindas jovens garotas, que com seus vinte e poucos anos, alucinavam as noites de sexta-feira do local. O segurança foi até o ouvido de Marcelo e repetiu exatamente o que o homem lhe disse. Ele respondeu com uma risadinha de canto de boca. Levantou, tomou um gole do seu copo e caminhou em direção à porta.
Marcelo saiu do bar e olhou a sua frente. Encostado no velho Opala, o seu velho amigo de mais de 25 anos. Com seus temperamentos típicos da descendência italiana primeiramente sem dizer nada, abraçam-se e beijam-se no rosto. Marcelo disse em voz alta.
- E aí seu filho da puta de merda. Achei até que estava até morto... – faltaram-lhe as palavras. – Como está depois que... – percebeu o sorriso no rosto de seu amigo desaparecer... – Foi mal velho, sabe que não sei lidar com essas coisas.
- Tudo bem meu irmão, não quero falar disso. Quero uma vodca e umas piranhas. Isso é possível?
- Você sabe que comigo isso sempre é possível. Vamos entrando. – ao passar pelos seguranças Marcelo disse – Esse é meu amigo Gabriel Ruschel, ele tem passe livre sempre. – os seguranças acenaram com a cabeça, seguido de um “sim senhor”.
Eles entraram no bar, juntaram-se as garotas, Marcelo apontou para as linhas sobre o prato transparente e gritou ao garçom.
– Vodca!
Gabriel sem muitos rodeios pegou uma nota de cinco reais e enrolou. Neste momento a afinidade dos dois era quase psíquica. Não precisavam conversar sobre certas coisas, pois só um olhar bastava. Marcelo sabia que não precisava perguntar a Gabriel como estava depois do falecimento da esposa. Ainda mais porque Gabriel não contaria. Entre doses de vodca, piadas infames, cigarros e tecos no prato de vidro, Gabriel foi perdendo a consciência depois da primeira garrafa de Orloff. Marcelo ao observar o amigo começou a lembrar que ficou sabendo da morte da esposa de Gabriel somente uma semana depois do velório. Soube mais pela reportagem no jornal, onde o amigo era colunista, do que ele disse quando ligou para dar-lhe os pêsames.  Ficou pensando o que o amigo teria feito nos seis meses de anonimato depois da perda. Conhecia-o melhor que ninguém. Sabia que ele devia ter se trancado em casa para sua mente ir consumindo-o aos poucos. Gabriel não demonstrava sentimento algum por pior que fosse a tensão. Mas, quando não conseguia, desaparecia do mapa. Marcelo tinha certeza que deviam ter sido dias negros, pois sabia o quanto ele a amava. Ela o tirou de uma vida de boemia onde gastava todo o seu dinheiro com bebidas e prostitutas. Então, se apaixonaram e mudaram-se para a capital. Gabriel queria encontrar uma forma de redenção pela vida que levava e por todas as pessoas que havia magoado.  E Marcelo só conseguia senir que o retorno de seu amigo a Santa Fé seria provavelmente o princípio de um triste fim.
Gabriel acordou atirado no sofá do espaço reservado do bar. Sua cabeça doía. Sua boca com gosto de cigarro misturado ao cheiro de cerveja derramada na mesa ao lado lhe embrulhavam o estômago. O perfume barato das mulheres que estavam com ele na noite passada estava impregnado em sua roupa. O bar estava vazio e a porta entreaberta com a claridade do amanhecer invadindo o salão. Sentindo um mal estar, correu na direção do banheiro, tropeçou em algumas cadeiras devido à tontura e enfiou a cabeça no vaso. Marcelo abriu a porta e encostou-se na parede com rosto sério.
- Não tem o que eu possa te dizer meu irmão. Não sou um exemplo de vida, e por isso não dou conselhos. Poderia perguntar se você quer conversar sobre o que aconteceu. Mas sei que você não vai querer.
Gabriel tentou responder, mas o vômito quase lhe afogou. E Marcelo prosseguiu:
- Conheço você a muito tempo Biel. Sei bem o que você está pensando e sentindo. Além dela, a única pessoa que te conhece o suficiente pra decifrar essa mente confusa e complexa... sou eu.
Gabriel levantou rápido demais e foi obrigado a segurar-se na parede:
- Pois é... você me conhece muito bem... sendo assim... não preciso dizer o que eu ia te dizer agora não é mesmo? – Levantou-se apoiado nas paredes e saiu do banheiro. Atravessou o salão com passos rápidos, porem debilitados pela tontura, saiu do bar e entrou no Opala.
Dirigindo por Santa Fé, cansado, com sono Gabriel pensava no quê fazer. Tinha certeza somente de que naquele momento não queria ainda voltar para o hotel. Eram quase nove da manhã e estava com fome. Seu estômago parecia como se tivesse um buraco e sua cabeça recebia marteladas constantes. Estacionou o carro em frente a uma lanchonete. Andou alguns metros até uma banca de revistas e comprou um jornal. Voltou à lanchonete e sentou em uma mesa na calçada. Pensou se por acaso seria muito cedo para comer um cheeseburguer às dez da manhã. Folheando os classificados encontrou um anúncio interessante.
“Diário de Santa Fé procura Jornalistas com experiência para os cargos de Repórter e Editor Chefe para edição Online. Comparecer 2ª feira munidos de documentos. Inicio imediato.”
Era uma idéia bem interessante. Seu currículo lhe daria a vaga certamente se não fosse por um detalhe: ele conhecia muito bem quem seria sua chefe.
Patrícia Santana havia sido sua colega e namorada na faculdade. O namoro durou até Patrícia descobrir que ele transava com uma amiga dela ao mesmo tempo. Mesmo assim, se tornaram grandes amigos, até ele se formar e mudar-se para a capital sem nem ao menos dar adeus. Ele era bem consciente e a conhecia muito. E ela provavelmente deveria ter muitas mágoas deste detalhe. Seriam momentos muito tensos entre os dois. Afinal, passaram dez anos sem nenhum contato.  Mas como estava sem muitas opções, era o que restava. Ir à entrevista e deixar a merda acontecer.
No dia da tal entrevista, acordou cedo, tomou banho e vestiu o mesmo estilo de sempre sem muita preocupação com a aparência. Saiu do hotel e no caminho até o jornal, passou em um café para tomar um cappucino e comer uma empada de frango. Era o que o dinheiro dava, pois os cartões estavam estourando. A atendente era garota de seus 18 anos com um corpo espetacular. Gabriel debruçou-se no balcão para olhar suas pernas perfeitamente vestidas com uma calça bem colada ao corpo. Uma blusa bem justa formava um magnífico decote. Enquanto pensava que os seios da garota caberiam perfeitamente em suas mãos, a garota fixou-o nos olhos e disse com um rosto sério e voz clara demonstrando seu total desconforto com a situação:
- Mais alguma coisa?
Ele se recompôs do momento de reflexão erótica, e meio sem jeito, levou a situação de forma irônica na tentativa de amenizar a situação.
- Telefone, RG, CPF, endereço, Msn, Twitter, Orkut, Facebook... enfim, algum meio de comunicação – mudou a fisionomia e prosseguiu – Brincadeira amor. Perdoe a minha falta de classe, não pude me conter.
Raramente alguém cairia nesta cantada furada, mas foi à única coisa que lhe veio em mente para acabar com aquela situação embaraçosa. A garota respondeu com um sorrisinho ingênuo. Virou-se para pegar o açucareiro e voltou apontando para o papel pendurado nele com um sorriso agora lindíssimo no rosto:
- Posso tirar este papel com o meu nome e telefone então?
O sorriso da garota era perfeito. O conjunto da obra era perfeito. Enquanto tomava seu café e comia sua empada, a garota atendia os outros clientes e o olhava com seu rostinho meigo.  Pagou e saiu, não esquecendo o papel com o telefone da garota. Juliane. Seguiu em direção ao jornal que era à algumas quadras dali. Na sala de espera, sentou ao lado de um garoto de óculos, com seus vinte e poucos anos. O rapaz virou-se para ele e foi logo se apresentando:
- Você é Gabriel Ruschel não é? Meu nome é Felipe Santos, gosto muito do seu trabalho. O seu artigo sobre a Política dos Porcos foi incrível, e...
Sem dar a mínima importância para o que o garoto estava dizendo, olhou fixamente para a mulher sentada na mesa, próxima da sala de reunião onde estavam acontecendo as entrevistas. Levantou e aproximou-se da mulher.
- Moça. Você poderia dizer onde fica o banheiro? - a garota levantou os olhos e eles encheram-se d’água - Eu estou com um sério problema de diarréia e meu intestino está quase saindo junto pelo meu rabo.
Cristina levantou-se e abraçou Gabriel com muita força. Sem tempo de trocarem nenhuma palavra, um dos outros concorrentes à vaga saiu da sala e disse que o próximo poderia entrar. Era a vez de Gabriel. Pela análise que fez das outras pessoas que concorriam à vaga enquanto o garoto falava, não via ninguém que estivesse à altura de sua experiência. E de seu ego. Ele tinha um reconhecimento muito bom pela sua coluna no principal jornal da Capital. Pensou que certamente a vaga estaria no papo.
Quando entrou na sala, Patrícia estava de cabeça baixa fazendo anotações. No caminho até a cadeira a sua frente, lembrava dos tempos de faculdade, do namoro relâmpago dos dois e principalmente de como era bom conversar com aquela linda e alta loira de olhos verdes. E o mais interessante de tudo, foi ver o quanto ela continuava linda. Com seus loiros e escorridos cabelos até a cintura. E pensou em como o tempo pode fazer bem a uma mulher. Toda essa análise aconteceu no primeiro, dos três metros de caminhada da porta da sala até a cadeira. No segundo metro, começou a bater uma ansiedade e no terceiro ele só pôde fazer uma coisa. Ser ele mesmo. Sentou na cadeira, colocou os pés na mesa, bateu levemente a mão na mesa e disse:
            - E aí minha loira, quando eu começo? - Neste momento Patrícia levantou os olhos levemente, como se olhasse para um fantasma.

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